O IBRAMA é uma entidade sem fins lucrativos que precipuamente se dedica ao assessoramento dos entes municipais: (1) na recuperação dos tributos sonegados pelas grandes organizações financeiras que operam em seus territórios através de estabelecimentos clandestinos (sem alvará e sem inscrição na prefeitura), sonegando pantagruélicos valores de ISS, especialmente os incidentes nos negócios de arrendamento mercantil e nas cobranças das contas dos cartões de crédito e de débito; (2) na implantação da nota fiscal eletrônica; (3) na recuperação dos valores superfaturados nas contas de iluminação pública; (4) no incremento da arrecadação do IPTU e ITR; (5) na recuperação dos pagamentos indevidos à União e INSS; e (6) na recuperação dos pagamentos em duplicidade de PIS/COFINS nas contas de energia e telefones.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

INTEGRA DO VOTO DO MINISTRO EROS GRAU NOS RE 547245 (Itajaí) E 592905 (Caçador)

Voto proferido pelo Ministro EROS GRAU na sessão 
de julgamento do STF, em 04/02/2009:

Das razões e contra-razões esgrimidas no debate a propósito do caráter jurídico, menciona-se equivocadamente, natureza jurídica como se institutos jurídicos pertencessem ao reino natural. A propósito do caráter jurídico, o contrato de leasing, ou arrendamento mercantil, é contrato autônomo. Leia-se sucessivamente em Orlando Gomes e em Fábio Konder Comparatto:

“É dominante da doutrina mais recente, o juízo de que o leasing é um contrato autônomo, muito embora resulte da fusão de elementos de outros contratos, mas não pode ser classificado como um contrato misto, composto por prestações típicas da locação, da compra e de outros contratos, porque tem causa própria e já se tipicizou” (Orlando Gomes).

O contrato de leasing caracteriza-se como negócio jurídico complexo e não simplesmente como coligação de negócios. Dizemos não simplesmente porque na verdade o contrato entre sociedade financeira e o utilizador do material é sempre coligado ao contrato de compra e venda do equipamento entre a sociedade financeira e o produtor. Mas o leasing propriamente dito, não obstante a pluralidade de relações obrigacionais típicas que o compõe, apresenta-se funcionalmente uno. A causa do negócio é sempre o financiamento de investimentos produtivos (Fábio Konder Comparatto).

É certo, por outro lado, que o arrendamento mercantil compreende 3 modalidades: o leasing operacional, o leasing financeiro e o chamado leaseback. No primeiro caso, há  a locação, nos outros dois, serviço.

No leasing operacional, o fabricante de um bem o dá em locação a quem dele fará uso. O arrendante é o próprio produtor industrial. Esse tipo é muito usado, principalmente nos Estados Unidos da América do Norte, especialmente pelos fabricantes de automóveis, sendo arrendatárias as grandes locadoras (AVIS, HERTZ). Essas empresas de grande porte, através do renting, alugam inúmeras vezes a clientes diversos o mesmo veículo, cujo uso constante e ininterrupto logo o torna obsoleto, e por isso a manutenção é feita pelo arrendante. Muito usado também pelos fabricantes de equipamentos eletrônicos.

A resolução 2309 do BACEN, no seu art. 6º, enuncia a sua definição legal:

1. considera-se arrendamento mercantil operacional a modalidade em que com as contraprestações a serem pagas pela arrendatária, contemple o custo de arrendamento do bem e serviços inerentes a sua colocação a disposição da arrendatária, não podendo o total dos pagamentos da espécie ultrapassar 75% do custo do bem arrendado;

2. as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade do arrendador ou arrendatário;

3. O preço para o exercício para opção de compra seja o valor de mercado do bem arrendado.

O leasing financeiro é a modalidade clássica ou pura de leasing e, na prática, certamente a mais utilizada. É dessa espécie de operação que cuidamos no recurso, ora examinado. Nessa modalidade, a arrendadora adquire bens de um fabricante ou fornecedor e entrega o seu uso e gozo ao arrendatário, mediante pagamento de uma contraprestação periódica. E, ao final da locação, abrindo-se a esse a possibilidade de devolver o bem à arrendadora, renovar a locação ou adquiri-lo pelo preço residual combinado no contrato.

No leasing financeiro prepondera o caráter de financiamento e nele a arrendadora que desempenha a função de locadora surge como intermediária entre um fornecedor e o arrendatário.

A resolução 2309 do BACEN define o arrendamento mercantil financeiro, no seu art. 5º, nos seguintes termos:

1. considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade em que as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado, durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos;

2. as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos a operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária;

3. o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuada, podendo ser inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.

Athos Gusmão Carneiro explicita a distinção que aparta os institutos da seguinte forma:

“No leasing financeiro prepondera o fator financiamento, enquanto no leasing operacional sobreleva o aspecto locação. No leaseback a própria arrendatária vende um bem que lhe pertence à arrendadora e em seguida toma-o de volta em arrendamento mercantil.

O caso em que não raro uma empresa, pretendendo expandir-se não dispõe de capital suficiente para tal, ou aquele que tem em mãos represente pouco, ou é indispensável às atividades, de modo que não possa ser imobilizado. Nesses casos, a empresa desafeta um bem que lhe pertence e o aliena a uma empresa de arrendamento mercantil, dela recebendo um pagamento muitas vezes à vista, promovendo assim acréscimo de seu capital.

Como a empresa precisa utilizar aquele bem na sua atividade, à alienação segue-se o arrendamento do mesmo bem através de um contrato de leasing, onde a vendedora, então, figura como arrendatária. O bem nem mesmo chega a sair da posse da arrendatária. No mais, a operação se reveste de todos os caracteres existentes no contrato de leasing financeiro.”

O leaseback está previsto no artigo 9º da Lei 6.099, com as alterações introduzidas pela Lei 7,123 e sobre ele dispõe o artigo 23 da mesma Resolução 2.309 do BACEN, cujo texto é o seguinte:

As operações de arrendamento mercantil contratadas pelo vendedor do bem ou pessoas a ele coligadas ou interdependentes somente podem ser contratadas na modalidade de arrendamento mercantil financeiro, aplicando-se a ela as mesmas condições fixadas neste Regulamento.

Financiamento é serviço sobre o qual incide o ISS pode incidir. É irrelevante nas duas últimas hipóteses (leasing financeiro e leaseback) existir uma compra. O fato relevante é que toda e qualquer prestação de serviço envolve em intensidade distintas a utilização de um serviço.

Colho em bem lançado parecer que veio às minhas mãos, do Ministro Gilmar Galvão, a alusão às atividades análogas ou serviços de hospedagem e hotel que não obstante propiciam o fornecimento de bens aos usuários ou serviços e permanecem a caracterizar prestação de serviços.

Permito-me transcrever neste parecer, muito expressivo, repito, o seguinte trecho:

“Desenganadamente tenha a Lei Complementar, no caso do ISS, a função de definir essas operações mistas, mediante a sua inclusão na lista de serviços, quando optar pela prevalência do aspecto serviço, em detrimento, v. g., do fornecimento da mercadoria, ainda que o serviço não se constitua como atividade preponderante do prestador. Aliás, uma das principais competências que foram reservadas pela Constituição à Lei complementar Tributária foi a de dirimir conflitos entre a competência estadual para o ICMS e a municipal para o ISS. Tem-se, assim, que a Lei Complementar a que se refere o artigo 156, inciso III, da Constituição, ao deferir o serviço de qualquer natureza serem tributados pelo ISS:

a) arrola serviços por natureza;

b) inclui que serviço que não exprimindo a natureza de outro tipo de atividade passam à categoria de serviços para fim de incidência do tributo, por força de lei, visto que se assim não fosse, que se assim não consideradas, restariam incólumes a qualquer tributo;

c) em caso de operações mistas, afirma a prevalência do serviço para fins de tributação pelo ISS.

Da espécie “a” é a maioria dos serviços relacionados pela Lei Complementar 116, de 2003, dispensando maiores considerações. Acerca das operações mencionadas, aquelas das operações mistas, o artigo 1º, § 2º, da Lei Complementar 116, contém regra dispondo que, ressalvadas as exceções contidas na lista, os serviços nela relacionados não ficam sujeitos a ICMS, ainda que a sua prestação envolva o fornecimento de mercadoria.

Exemplos dessa espécie são os seguintes: reparação, conservação, reforma de edifício, estrada, pontes, pórticos e congêneres, dedetização, desinfecção, desinsetização, imunização, pulverização e congêneres, florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação, escoramento, contenção de encostas e serviços congêneres, nucleação e bombardeamento de nuvens, composição gráfica, fotocomposição, clicheria, zincografia, recauchutagem ou regeneração de pneus, colocação de molduras e congêneres, serviços de chaveiros, confecção de carimbos, placas, inclusive funerais, que são mencionados no item 25.”

Por fim, prossegue o Ministro Gilmar Galvão, nesse parecer:

“Sob a espécie “b”, também não são poucos os exemplos, cabendo assinalar o seguinte: exploração de salão de festas, centro de convenções, escritórios virtuais, quadras esportivas, estádios, canchas, etc., locação e sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhamento ou não de ferrovia ou rodovia, postes, cabos, dutos e condutos, seção de andaimes, palcos, coberturas, ginástica, dança, esportes, centros de emagrecimento, spa, hospedagem, guarda e estacionamento de veículos terrestres, bilhares, boliches, diversões eletrônicas, locação e manutenção de cofres particulares, de terminais eletrônicos, custódia em geral, inclusive de título de valores, serviço de distribuição e venda de bilhetes e demais produtos de loteria, serviços de exploração de rodovias, mediante cobrança de preços ou pedágios, e ele conclui: como ficou dito acima, trata-se de serviços assim conceituados, por força da própria lei, configurando atividades que em si mesmas não revestem essa natureza, mas que também não exprimem rigorosamente a natureza de outro tipo de atividade diferentemente tributada, de tal sorte que sem aquela definição legal tais atividades injustificadamente ficariam a cobro de qualquer exação fiscal.”

O chamado leasing financeiro — valho-me ainda da observação que está no parecer do Ministro Galvão — configura atividade que não se exerce senão mediante prestação de considerável parcela de serviços diversificados, a cargo de não apenas dos dirigentes, mas também dos prepostos auxiliares e empregados das arrendadoras, serviços esses insuscetíveis de serem absorvidos pela subjacente operação de locação de bens, a qual, de sua vez, obviamente, não gera obrigação de dar, mas, ao revés, de pôr a coisa à disposição de locatário e de garantir a este o seu uso pacífico, deveres que mais se assemelham à prestação de serviços do que à circulação de mercadorias ou a qualquer outra operação tributável.

Em síntese, há serviços, sim, para os efeitos, do inciso III, do artigo 156 da Constituição que, por serem de qualquer natureza, não consubstanciam típicas obrigações de fazer. Raciocínio adverso a esse conduziria à afirmação de que haveria serviço apenas nas prestações de fazer, nos termos do que define o Direito Privado. Note-se, contudo, que a afirmação como tal faz tábula rasa na expressão “de qualquer natureza”, afirmada no texto da Constituição.

Não me excedo em lembrar que toda atividade de dar consubstancia também um fazer e há inúmeras atividades de fazer que envolvem um dar. A Lei Complementar não define o que é  serviço, para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do art. 156 da Constituição.

No arrendamento mercantil ou leasing financeiro — contrato autônomo que não é contrato misto — o núcleo é o financiamento, não a prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do leaseback.

Outro tema distinto do que nestes autos é debatido é o atinente à base de cálculo do tributo, que há de corresponder ao preço do serviço prestado. Isso não se discute, contudo, nesses autos.

Daí que a questão, senhores Ministros, é na verdade singela. Feita a distinção entre as 3 modalidades de arrendamento mercantil e observado que no leasing operacional há a locação, ao passo que no leasing financeiro e no chamado leaseback há a prestação de serviço, inclusive para o fim do disposto do art. 156 da Constituição, eu dou provimento ao recurso extraordinário 547245 (Itajaí) e no do outro (RE 592905, de Caçador) eu nego provimento.


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