O IBRAMA é uma entidade sem fins lucrativos que precipuamente se dedica ao assessoramento dos entes municipais: (1) na recuperação dos tributos sonegados pelas grandes organizações financeiras que operam em seus territórios através de estabelecimentos clandestinos (sem alvará e sem inscrição na prefeitura), sonegando pantagruélicos valores de ISS, especialmente os incidentes nos negócios de arrendamento mercantil e nas cobranças das contas dos cartões de crédito e de débito; (2) na implantação da nota fiscal eletrônica; (3) na recuperação dos valores superfaturados nas contas de iluminação pública; (4) no incremento da arrecadação do IPTU e ITR; (5) na recuperação dos pagamentos indevidos à União e INSS; e (6) na recuperação dos pagamentos em duplicidade de PIS/COFINS nas contas de energia e telefones.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Honorários de advogados contratados por município não são verba pública


Honorários de advogados contratados por município não são verba pública
Data: 28.07.10

fonte: ESPAÇO VITAL

Uma decisão da 21ª Câmara Cível do TJRS concedeu importante proteção à remuneração sucumbencial de advogados contratados pelo Município de Novo Hamburgo (RS), que pretendia que a verba passasse a integrar os cofres públicos em razão do término do contrato de prestação de serviços.

"Após proferida a sentença a sucumbência pertence ao advogado que até aquele momento vinha atuando, cujo direito permanece incólume nada obstante posterior extinção do contrato de prestação de serviço, como no caso, ou revogação da procuração" , foi o que estabeleceu o acórdão.

O julgamento foi proferido em agravo de instrumento interposto pelo município em face de decisão que acolheu a pretensão da sociedade de advogados A. M. Caleffi, que prestava serviços àquele, para fins de percepção da verba honorária de sucumbência após a resilição do correspondente contrato administrativo, por decurso do respectivo prazo contratual.

Iniciou o relator, desembargador Genaro José Baroni Borges, citando o artigo 22 do Estatuto da Advocacia, que dispõe ser direito do advogado a percepção dos honorários fixados por arbitramento judicial ou por sucumbência, o que dá ao profissional a possibilidade de executá-los autonomamente. E, ao lembrar lição de Yussef Said Cahali, anotou que "a sentença constitui o momento da aquisição do direito autônomo do advogado aos honorários de sucumbência, pelo implemento da condição que lhe faz nascer esse direito”.

Desse modo, a verba de sucumbência pertence ao advogado que vinha atuando na causa, mesmo que ocorra a extinção superveniente do contrato de prestação de serviços ou a revogação de poderes, caso contrário, haveria possibilidade de o cliente fraudar direito do procurador, retirando-lhe a remuneração que foi arbitrada exatamente em virtude do seu trabalho pessoal.

E, por fim, alertou o relator que a pretensão do município, "não bastasse flagrante nulidade expressamente cominada, importaria enriquecimento imotivado, intolerável por todos os títulos."

O acórdão foi unânime. (Proc. nº 70031501315).

quarta-feira, 21 de julho de 2010

IMPROBIDADE - INÉPCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA DO MP


A petição inicial de ação civil pública contra ato de improbidade administrativa se apresenta INEPTA quando não demonstra a presença de DOLO e/ou CULPA e não traz a prova do ACUMPLICIAMENTO, em caso de incluir terceiro.

É que há bom tempo o eg. Superior Tribunal de Justiça vem afirmando nos seus julgados que as ações da espécie têm por alvo (objeto) punir administradores em conjunto com quem se acumplicia com eles para atuar contra o erário e se beneficia com essa associação. E que é indispensável para caracterizar a IMPROBIDADE a presença de CONDUTA DOLOSA ou, pelo menos, CULPOSA, segundo as tipificações descritas na Lei 8.429/92. E, especialmente, que se faz imprescindível a prova do elemento subjetivo da conduta para prosperar a AÇÃO DE IMPROBIDADE.

Ademais da indispensabilidade da comprovação por parte do MP do DOLO ou da CULPA (que não podem ser presumidos), sem a qual não pode haver qualquer condenação na espécie processual de que se cuida (trata-se de ação de caráter repressivo, semelhante à ação penal, na palavra do STJ), remanesce hialino que o órgão acusador igualmente não pode escusar-se de fazer constar da sua peça inicial a indissociável comprovação do ACUMPLICIAMENTO, pois, à toda evidência, sem ela não pode TERCEIRO vir a ser condenado pelo crime em pauta.

Se todos os indispensáveis componentes da CULPABILIDADE não foram trazidos à colação, sobra nítido que a inicial é portadora de pretensão INEPTA, porquanto nela o MP veicula pedido juridicamente impossível.

A propósito de todos esses aspectos, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ficou muito claro neste seu recentíssimo julgado (REsp 827.445/SP - 2006/0058922-3):


ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. LEI 8.429/92.  ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. IMPRESCINDIBILIDADE.

1. A ação de improbidade administrativa, de matriz constitucional (art. 37, § 4º, e disciplinada na Lei 8.429/92), tem natureza especialíssima, qualificada pela singularidade do seu objeto, que é o de aplicar penalidades a administradores ímprobos e a outras pessoas — físicas ou jurídicas — que com eles se acumpliciam para atuar contra a Administração ou que se beneficiam com o ato de improbidade.

Portanto, se trata de uma ação de caráter repressivo, semelhante à ação penal, diferente das outras ações com matriz constitucional, como a Ação Popular (CF, art. 5º, LXXIII, disciplinada na Lei 4.717/65), cujo objeto típico é de natureza essencialmente desconstitutiva (anulação de atos administrativos ilegítimos) e a Ação Civil Pública para a tutela do patrimônio público (CF, art. 129, III, e Lei 7.347/85), cujo objeto típico é de natureza preventiva, desconstitutiva ou reparatória.

2. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência dominante no STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos culposa, nas do artigo 10 (v.g.: REsp 734.984/SP, 1 T., Min. Luiz Fux, DJe de 16.06.2008; AgRg no REsp 479.812/SP, 2ª T., Min. Humberto Martins, DJ de 14.08.2007; REsp 842.428/ES, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 21.05.2007; REsp 841.421/MA, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 04.10.2007; REsp 658.415/RS, 2ª T., Min. Eliana  Calmon, DJ de 03.08.2006; REsp 626.034/RS, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ de 05.06.2006; REsp 604.151/RS, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 08.06.2006).
                                                                                                          
3. É razoável presumir vício de conduta do agente público que pratica um ato contrário ao que foi recomendado pelos órgãos técnicos, por pareceres jurídicos ou pelo Tribunal de Contas. Mas não é razoável que se reconheça ou presuma esse vício justamente na conduta oposta: de ter agido segundo aquelas manifestações, ou de não ter promovido a revisão de atos praticados como nelas recomendado, ainda mais se não há dúvida quanto à lisura dos pareceres ou à idoneidade de quem os prolatou. Nesses casos, não tendo havido conduta movida por imprudência, imperícia ou negligência, não há culpa e muito menos improbidade. A ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade.

MINISTÉRIO PÚBLICO CATARINENSE SE ARREPENDE

MINISTÉRIO PÚBLICO SE ARREPENDE DA ACUSAÇÃO EQUIVOCADA E DESEMBARGADOR CATARINENSE MANDA ARQUIVAR PROCESSO-CRIME ABERTO CONTRA O PREFEITO DE ITAJAÍ E O ADVOGADO CLÁUDIO GOLGO


O texto do despacho a seguir reproduzido é elucidativo do que ocorreu:


Inquérito n. 2007.063949-3, da Capital
Autora: A Justiça, por seu Promotor
Promotores: Drs. Gercino Gerson Gomes Neto (Procurador-Geral de Justiça) e outro
Indiciado: Jandir Bellini
Advogados: Drs. Rodrigo Roberto da Silva (7517/SC) e outro
Indiciado: Fernando Deichmann Pereira
Advogado: Dr. Lourival Abreu (3128/SC)
Indiciado: Rogério Nassif Ribas
Advogado: Dr. Daltro Dias (10916/SC)
Indiciado: Rosalir Demboski de Souza
Advogados: Drs. Rodrigo Roberto da Silva (7517/SC) e outro
Indiciado: Cláudio Roberto Nunes Golgo
Advogado: Dr. Rafael Córdova de Carvalho (14071/SC)
Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho


DECISÃO MONOCRÁTICA

I   O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, por seu Procurador-Geral de Justiça, em atuação conjunta com a Subprocuradora-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos (Ato 51/2008/PGJ), ofereceu denúncia contra Jandir Bellini, Fernando Deichmann Pereira, Rogério Nassif Ribas e Rosalir Demboski de Souza –, pessoas que, à época dos fatos, ocupavam, respectivamente, os cargos de Prefeito, Secretário Municipal da Fazenda, Procurador-Geral e Secretária Municipal de Administração do Município de Itajaí –, e contra Cláudio Roberto Nunes Golgo, advogado responsável pelo escritório de advocacia "Claudio Golgo Advogados Associados S/A", imputando, aos quatro primeiros, a prática, em tese, do crime tipificado no art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93, e, ao último, o suposto cometimento da conduta prevista no parágrafo único do referido dispositivo legal, nos moldes do art. 29 do Código Penal, pois, segundo consta da peça acusatória, os denunciados teriam celebrado, no ano de 2002, contrato de prestação de serviços de advocacia entre o Município de Itajaí e o escritório "Claudio Golgo Advogados Associados S/A", além de posteriores aditivos, sem prévio procedimento licitatório, para recuperação de receita do imposto sobre serviços (ISS) incidente sobre os contratos de arrendamento mercantil e seguros, firmados no território daquele município.

Distribuídos inicialmente os autos de inquérito ao Tribunal Pleno (fl. 224), em virtude do cargo de Deputado Estadual ocupado por Jandir Bellini (art. 88, I, "a", da Lei Estadual n. 5.624/79), houve posterior deslocamento da competência para a Câmara Criminal, em face da eleição e posse do referido denunciado no cargo de Prefeito Municipal de Itajaí (fls. 742/744).

Regularmente notificados, conforme exige o art. 4º da Lei n. 8.038/90 (fl. 226), os indiciados apresentaram resposta, o que fizeram por meio de defensores constituídos – Rogério Nassif Ribas (fls. 258/279), Fernando Dichmann Pereira (fls. 313/323), Rosalir Demboski de Souza (fls. 434/459) e Jandir Bellini (fls. 618/650).

Considerando que todas as tentativas de encontrar Cláudio Roberto Nunes Golgo restaram infrutíferas (cf. certidões de fls. 608, 764, 777/v, 778/v e 783), procedeu-se à sua notificação por edital (art. 4º, § 2º, da Lei n. 8.038/90; fl. 793), sendo-lhe nomeado defensor dativo, na pessoa do advogado Rafael Córdoba de Carvalho (fl. 794), o qual apresentou a respectiva defesa prévia em favor do indiciado (fls. 802/803).

A Procuradoria-Geral de Justiça teve oportunidade de se manifestar sobre a documentação acostada às defesas preliminares (fls. 734/744).

Ainda na fase do art. 5º da Lei n. 8.038/90, este relator determinou a juntada de cópia da documentação referida na sentença de fl. 571, relativa ao julgamento conjunto da ação civil pública e da ação popular (autos n.'s 033.04.025743-9 e 033.05.014964-7), com posterior reabertura de vista dos autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 862/867).

II   O caso traduz situação em que houve tempestiva revisão da opinio delicti pelo órgão acusatório, o qual reconheceu a atipicidade dos fatos que serviram de suporte ao oferecimento da denúncia.

Com efeito, extrai-se da promoção ministerial de fls. 862/867:

"1 A classificação da denúncia:

O tipo penal posto inequivocamente à evidência como razão da persecutio criminis em tese consta definido no art. 89, e parágrafo único, da Lei nº 8.666/93 (Lei das Licitações), com a redação:

'Art. 89 – Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público'.

De par com a tormentosa e controvertida exegese doutrinária sobre essa figura penal, a começar pela abrangência do seu sujeito ativo, recorrente nas postulações havidas nos arts. 83 e 84 da própria lei de referência e no art. 327 do Código Penal, e que se derrama às condutas previstas no núcleo do tipo pelo conteúdo de especificidade, haja vista que tanto as hipóteses de dispensa, quanto de inexigência, são permitidas expressamente na lei, em disposição de numerus clausus, há condição de interrelação para a punibilidade, qual seja, a inferência de que o crime só se configura se ocorrer o seu antecedente lógico, isso é, o ilícito administrativo, que, por sua vez, segundo lição de Rui Stoco (in Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, 7ª edição, RT, p. 2556), está ligado ao princípio genérico do abuso do direito. Em suma: se há licitude no antecedente, considerando que a dispensa e a inexigibilidade são previstas e permitidas, deverá ocorrer licitude no consequente.

2 Fatos contextualizados penalmente atípicos:

No caso que ora se reexamina, concessa venia, os fatos contextualizados no procedimento administrativo preliminar, que serviram de suporte ao oferecimento da denúncia, já demandavam acurada análise de pertinência pela razão mesma dos documentos que restaram juntados, pois se reportavam à previsão e à permissão contidas na Lei Específica, inclusive com a realização dos procedimentos de que trata o seu art. 26, afastando azo a suspeitas de escusas, que assim não fora, deslocaria o objeto de proteção da lei penal.

Com os documentos compostos aos autos pelas respostas apresentadas, oportunidade ao reexame da quaestio reconhecida em boa hora pelo v. despacho de fls. 857, elementos mais nítidos para a dessubsunção do tipo penal referido vieram fazer coro àqueles adrede reunidos, como a sentença cível de não reconhecimento de ilicitude administrativa, mais precisamente a improcedência da arguida prática de improbidade administrativa, exemplo que promove a conclusão no sentido de que a inexistência do ilícito administrativo desemboca na similitude penal (Stoco, ob. citada), em que pese o princípio da separação das jurisdições civil e penal. Cita-se do autor referido: "Não há possibilidade do ilícito administrativo apenas, pois basta que a dispensa ou inexigência tenha ocorrido fora das hipóteses previstas para que os ilícitos administrativo e penal se caracterizem" (idem-idem).

Em precedente de rara semelhança à hipótese que aqui se debate, a ilustrada Quinta Turma do colendo Superior Tribunal de Justiça, em acórdão do eminente Ministro Gilson Dipp, mutatis mutandis, assim entendeu:

'CRIMINAL. HC. ART. 89 DA LEI N.º 8.666/93. PREFEITO. CONTRATAÇÃO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA PARA DEFESA DO ENTE PÚBLICO EM CAUSAS TRIBUTÁRIAS. SINGULARIDADE DO SERVIÇO E NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO RECONHECIDAS. CONDENAÇÃO CRIMINAL, MANTIDA PELO TRIBUNAL A QUO, BASEADA EM CONDENAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, REFORMADA PELA MESMA CORTE ESTADUAL. AUSÊNCIA DE INTENÇÃO DE FRAUDAR A LEI. INEXISTÊNCIA DE LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS. IRRELEVÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL DETERMINADO. ORDEM CONCEDIDA. ANÁLISE DOS DEMAIS PEDIDOS PREJUDICADA.

(...)

'Na esfera cível, o Tribunal a quo entendeu pela ausência de intenção de fraudar a lei por parte do paciente, bem como pela inexistência de qualquer dano ao erário, notadamente em razão do êxito da atuação do escritório de advocacia em grau recursal, impondo à Fazenda do Estado a obrigação de pagar à municipalidade as diferenças retidas de ICMS. Tais fundamentos, trazidos para a esfera penal, tornam atípica a conduta do paciente, não havendo falar-se na prática do delito previsto no art. 89 da Lei n.º 8.666/93, que para sua configuração exige, além da ocorrência de prejuízo ao erário, a presença de dolo específico na conduta do agente, a qual é penalmente irrelevante se presentes os pressupostos para a contratação direta. Precedentes da Corte Especial do STJ...' (HC 53103/SP, j. 19/09/2006, DJ 16/10/2006, p. 393).

Ainda, da mesma Corte da Justiça, relativamente à contratação de serviços de advocacia por pessoa jurídica de direito público, notadamente Município, o HC 40762/PR, relator para o acórdão o Ministro Nilson Naves, DJ de 16.10.2006, p. 432, Sexta Turma.

De conveniência, em face da clareza e exposição dos fatos, aliados aos elementos documentais de prova previamente existentes, data máxima vênia, embora de incursão inadequada nessa fase antecedente, de juízo de prelibação, esclarecer, com Adel El Tasse (conforme Licitações e Contratos Administrativos – Lei 8.666, 21.06.1993, in Legislação Criminal Especial, RT, 2009, p. 675), 'que o elemento subjetivo é tão-somente o dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar os elementos do tipo, não se punindo a forma culposa'.

3 Conclusão:

Resultando por demais evidentes a ausência da necessária plausibilidade do direito a propiciar venha a ser instaurada a persecutio criminis in judicio, a consequência, nos termos do art. 6º da Lei nº 8.038/90, é a rejeição da denúncia, porquanto, seguindo o escólio de Evandro Lins e Silva (RTJ 43/484, mencionado por Damásio E. de Jesus no seu processo Penal Anotado, 22ª ed., Saraiva, p. 63), 'ao Ministério Público não se dá arbítrio de contrariar a realidade para, por excesso de zelo ou por outro qualquer motivo, oferecer denúncia em total discordância com a realidade'.

Destarte, possibilitando, a tempo e modo (art. 5º da Lei n. 8.038/90), ao órgão da acusação, a revisão e adequação do fenômeno penal, é-lhe facultado, objetivando a realização da Justiça, redirecionar a opinio delicti para entender, como no caso, fenômeno não típico."

Em sede competência penal originária, tendo o Procurador-Geral de Justiça reconhecido a atipicidade dos fatos que consubstanciaram a notitia criminis, o arquivamento do inquérito resulta como providência inarredável. Nesse sentido, mutatis mutandis: Inq. n. 2006.000682-8, de Herval D'Oeste, Rel. Des. Amaral e Silva, j. em 24/1/06.


III    Pelo exposto, determina-se o arquivamento dos autos, na forma do art. 3º, I, da Lei n. 8.038/90.


Fixa-se em 20 (vinte) URH's a verba honorária do defensor nomeado (fl. 794), consoante disposto no título II, item 32, do Anexo da Lei Complementar Estadual n. 155/97.

Intime-se.

Após, dê-se baixa na distribuição.

Florianópolis, 16 de abril de 2010.

Moacyr de Moraes Lima Filho
RELATOR



CONDENAÇÃO POR IMPROBIDADE SOMENTE SE COMPROVADO O DOLO



A configuração do ato de improbidade administrativa previsto no artigo 11 da Lei n. 8.429/92 somente é possível se demonstrada a prática dolosa de conduta que atente contra os princípios da Administração Pública. A conclusão é da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao dar provimento ao recurso especial de um procurador estadual do Rio Grande do Sul acusado de irregularidades no exercício do cargo.

Em ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Estado contra o procurador, o Tribunal de Justiça estadual (TJRS) reconheceu o dolo na conduta do acusado. “Ao agir de forma desidiosa — deixando de dar andamento a PADs (procedimento administrativo disciplinar) com consequente preclusão de alguns; de manifestar-se em processos com prazos preclusivos, bem como de ajuizar execuções fiscais —, tinha consciência dos resultados que tais omissões redundariam”, afirmou o TJRS.

Segundo informações do processo, o procurador teria recebido, em fevereiro de 1999, 21 processos administrativos com relatório final elaborado, cabendo-lhe, tão somente, remetê-los à revisão em Porto Alegre. “Todavia, todos os PADs foram restituídos à 10ª Procuradoria Regional em 10/12/1999, mais de nove meses após, sem que tenha sido dado qualquer andamento aos mesmos”, afirmou o Estado.

Haveria, também, petição inicial de ação indenizatória por dano extrapatrimonial e moral ajuizada por particular — que não foi contestada pelo Estado — de competência do demandado, além de cópia dos embargos à execução fiscal ajuizados por Belemar Transportes Ltda. que não foram impugnados, ainda que o procurador responsável os tenha retido por aproximadamente nove meses.

Após examinar o caso, o TJRS afirmou que a alegação de acúmulo de trabalho impossibilitando a análise de todos os processos que foram distribuídos ao acusado, que também é professor, não poderia ser acolhida. “Excesso de serviço que não afasta a desídia do agente que deixou de praticar atos do seu ofício. Prova documental e testemunhal a comprovar a negligência na atuação junto à Procuradoria do Estado”, diz um trecho da decisão. A multa civil aplicada foi reduzida para 7,5 vezes o valor da última remuneração percebida como procurador.

Insatisfeito, o procurador recorreu ao STJ, alegando que a configuração de ato de improbidade administrativa por lesão aos princípios da administração pública exige conduta dolosa do agente público, hipótese não configurada nos autos.

A Primeira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso. “Efetivamente, a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa exige a presença do elemento subjetivo na conduta do agente público, pois não é admitida a responsabilidade objetiva em face do atual sistema jurídico brasileiro, principalmente considerando a gravidade das sanções contidas na Lei de Improbidade Administrativa”, afirmou a ministra Denise Arruda, relatora do caso.

Apesar de reconhecer a evidente gravidade dos atos praticados na função de procurador do Estado, a ministra afirmou ter havido manifesto equívoco na qualificação da conduta do agente público. “A desídia e a negligência, expressamente reconhecidas no julgado impugnado, não configuram dolo, tampouco dolo eventual, mas indiscutivelmente modalidade de culpa”, acrescentou. “Não foi demonstrada a indispensável prática dolosa da conduta de atentado aos princípios da Administração Pública, mas efetiva conduta culposa, o que não permite o reconhecimento de ato de improbidade administrativa previsto no artigo 11 da Lei 8.429/92”, concluiu Denise Arruda.

DUPLO GRAU JURISDICIONAL


Felipe Jakobson Lerrer
I.       Introdução.

O duplo grau de jurisdição é um sistema jurídico em que, para cada demanda, existe a possibilidade de serem proferidas duas decisões válidas e completas no mesmo processo, emanadas de juízes diferentes, prevalecendo sempre a segunda em relação à primeira,[1] sendo que o novo julgamento pode ser provocado por recurso voluntário ou de ofício. Trata-se de modelo de organização processual em que todo o litígio pode ser submetido a dois órgãos julgadores diversos, nas mais das vezes sendo o segundo superior.[2]

Na locução “duplo grau de jurisdição” a palavra “duplo” sugere a idéia de duplicidade, de dois, de um primeiro e um segundo. Já a palavra “grau” remete a estágios sucessivos, hierarquia e progressão, razão pela qual, de regra, a decisão judicial é analisada por órgão hierarquicamente superior.[3]

Embora o conteúdo dogmático do princípio não dê ensejo a maiores controvérsias, sua existência como regra obrigatória no sistema jurídico brasileiro é matéria que envolve notória divergência entre os estudiosos do direito processual civil, especialmente quando se fala em celeridade e em duração razoável do processo.

Surgem, então, questionamentos acerca da conveniência de impor restrições aos recursos disponíveis aos litigantes, visando a atingir o provimento jurisdicional em um menor espaço de tempo, ou de proporcionar diversos meios de impugnação das decisões judiciais, buscando alcançar, em tese, a verdade sobre os fatos ou a melhor interpretação da norma aplicável ao caso.

Ainda que se entenda tratar-se o duplo grau de jurisdição de modelo cogente em nosso sistema processual, sendo assim direito dos litigantes, devemos perquirir se os mecanismos que vêm sendo criados na tentativa de dar maior celeridade à prestação jurisdicional, limitando o cabimento de recursos, violam os dispositivos da Constituição que garantem o devido processo legal.

Não há uma configuração universal para o duplo grau de jurisdição, variando suas características de acordo com cada ordenamento jurídico, pois cabe ao direito positivo de cada Estado determinar os recursos e os institutos por meio dos quais ele se perfectibilizará, bem como que órgãos ostentarão legitimidade para efetuar o reexame, e de que maneira o duplo grau é acolhido: se de forma irrestrita ou limitada; ou se de modo implícito ou explícito.

Também enseja discussões a matéria passível de ser analisada no recurso para que se caracterize o duplo grau; se deverá ser toda a matéria debatida nos autos, sejam questões fáticas ou jurídicas, ou se a revisão apenas da matéria jurídica é suficiente.

Controverte a doutrina, outrossim, quanto à natureza jurídica do duplo grau de jurisdição. Questiona-se se ele pode ser concebido como princípio de direito processual civil, como garantia fundamental ou apenas como decorrência da escolha adotada quanto à forma de organização do Poder Judiciário.

Pretendemos, assim, à luz das regras contidas na Constituição Federal que tratam do processo e da organização do Poder Judiciário, analisar o duplo grau de jurisdição, alinhando seus aspectos positivos e negativos na busca por uma conclusão sobre sua condição ou não de garantia constitucional.




II.      Fundamentos do duplo grau jurisdicional: aspectos favoráveis e desfavoráveis.

Como razões relevantes para justificar a conveniência da adoção do duplo grau de jurisdição, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO aponta a necessidade de evitar a dispersão de julgados, promovendo a uniformização da jurisprudência quanto à interpretação da Lei Federal e da Constituição, o que seria praticamente impossível se as decisões dos juízes de primeiro grau fossem definitivas.

Sustenta também a necessidade de colocar os juízes inferiores sob o controle dos superiores, de modo a evitar eventuais abusos de poder ou desmandos, legitimando a atuação do Poder Judiciário como um todo, promovendo um equilíbrio entre a segurança jurídica e a ponderação dos julgamentos. E prossegue observando que:

Existe ainda a conveniência psicológica de oferecer aos perdedores mais uma oportunidade de êxito, sabendo-se que ordinariamente há maior probabilidade de acerto nos julgados por juízes mais experientes e numerosos (especialmente no Brasil, em que os órgãos de primeiro grau são monocráticos e os tribunais julgam em colegiado): confinar os julgamentos em um só grau de jurisdição teria o significado de conter litigiosidades e permitir que os estados de insatisfação e desconfiança se perpetuassem – provavelmente acrescidos de revoltas e possíveis agravamentos. [4]

Outro argumento que legitima a existência do duplo grau de jurisdição é a falibilidade humana. O juiz pode decidir de modo injusto e ilegal, ainda que por erro quanto à interpretação dos fatos e das normas jurídicas. Casos há, também, de decisões arbitrárias ou parciais. Desta maneira, o juiz de segundo grau, embora também passível de cometer erros, se destina a corrigir eventuais falhas, promovendo uma prestação jurisdicional mais justa.

Pode-se ainda justificar a existência do duplo grau de jurisdição pela sua natureza política, na medida em que não se poderia admitir uma atividade estatal prestada sem sujeição a fiscalização. Esta necessidade seria maior no âmbito da magistratura, cujos membros, na maior parte dos países, não são eleitos pelo povo, não sendo, portanto, representantes desta classe. O duplo grau de jurisdição serviria como controle interno exercido por órgãos jurisdicionais diversos do que proferiu o julgamento em primeiro grau, visando a aferir a legalidade e a justiça deste.[5]

Contrapondo o entendimento de que o duplo grau de jurisdição tem por escopo o controle da atividade da atividade do juiz por um órgão hierarquicamente superior, CHIOVENDA diz que “a finalidade do duplo grau não é permitir o controle da atividade do juiz, mas sim propiciar ao vencido a revisão do julgado.”[6] Sustenta ainda que “o recurso não é mais uma “reclamação contra o juiz inferior”, “mas o expediente para passar de um a outro o exame da causa”[7] [8]

No mesmo sentido de CHIOVENDA, diz MARINONI:

Não é acertado dizer, em outras palavras, que o controle da justiça da decisão possa ser confundido com o controle da própria atividade do juiz. Não há que se falar em controle da atividade do juiz quando se está discutindo sobre a oportunidade de dar ao vencido o direito à revisão da decisão que lhe foi contrária. Lembre-se que os tribunais, através das corregedorias, têm suas próprias formas de inibir condutas ilícitas, que obviamente não se confundem com decisões “injustas”.[9]

MARINONI também discorda do argumento de terem os juízes de segundo grau melhores condições de proferir decisão acertada, por sua maior experiência, por não terem mantido qualquer contato com as partes e com as provas produzidas ao longo da instrução do processo, circunstância que certamente coloca o julgador em melhores condições de decidir.

Por outro lado, a primeira grande crítica que se faz ao duplo grau de jurisdição é a de que este princípio não garantiria seus objetivos, ou seja, que a sentença de segundo grau será necessariamente melhor e mais justa que a de primeiro grau. Há uma probabilidade, não uma certeza de uma decisão mais correta. Ademais, se partirmos da premissa de que os juízes de segundo grau são realmente melhores, por que então não se enviar os processos diretamente a eles?[10]

Sustentam ainda os críticos do duplo grau de jurisdição que o princípio seria um obstáculo para a realização do direito a um processo célere, eliminando por completo a oralidade e desprestigiando o juiz de primeiro grau. Considerando ainda que o princípio da oralidade tenha se dado no curso do processo em primeiro grau, quando o juiz teve a oportunidade de colher a prova oral, esteve próximo da realidade dos problemas das partes e colheu impressões importantes para a solução do litígio, todo esse trabalho se tornaria inútil, pois o juiz do segundo grau decidirá somente com base nos escritos que formarem o processo.

Assim, seria contraditório falar em benefícios da oralidade e pensar em juízo repetitivo sobre o mérito, proferido por juízes que não tiveram qualquer contato com as partes ou com as provas. Diante dessas ponderações, se a dupla revisão no caso de matéria fática obsta a efetividade da oralidade, o princípio do duplo grau não poderia ser considerado princípio fundamental de justiça.[11]

Ademais, em um sistema de escolha dos juízes baseado em concursos de provas e de títulos, associado à vitaliciedade, não haveria como se realizar qualquer controle sobre a própria jurisdição, a não ser o próprio controle interno, baseado no princípio do duplo grau. A outra alternativa seria tornar temporária a atividade judicante, possibilitando que os juízes fossem eleitos, utilizando-se o critério plebiscitário como mecanismo de controle, mesmo sendo essa uma forma duvidosa de controle, como se vê pela política brasileira.[12]



III.    O duplo grau jurisdicional e as garantias contitucionais.

No Brasil, a Constituição do Império, de 1824 previa expressamente o duplo grau de jurisdição no artigo 158, que dizia que “Para julgar as causas em Segunda, e última instância haverá nas Províncias do Império as Relações, que forem necessárias para comodidade dos povos”. As Constituições seguintes limitaram-se apenas a mencionar a existência de tribunais, conferindo-lhes competência recursal, o que leva parte da doutrina a sustentar a existência, ainda que de maneira implícita, do duplo grau de jurisdição.

O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 elenca os direitos e garantias fundamentais do cidadão nos seus quase oitenta incisos, nos quais o duplo grau de jurisdição não aparece como uma das garantias conferidas aos litigantes em processo judicial. A questão deve ser analisada conjuntamente com o parágrafo 2º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Diante da leitura desse parágrafo, se mostraria sustentável a tese que defende a inserção do duplo grau de jurisdição como garantia constitucional, se conjugado com princípios como os que garantem o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

O Decreto n. 678, de 06.11.1992, incorporou ao Direito brasileiro a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22.11.1969, que assegura a toda pessoa o “direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.”[13]
Analisando artigo de autoria de INGO WOLFGANG SARLET[14], que menciona o Pacto de São José da Costa Rica, JOSÉ MARIA ROSA TESHEINER diz que, nesse caso, sem dúvida, abre-se, ao menos em tese, uma possibilidade de, através do art. 5º, § 2º, da CF, o princípio do duplo grau de jurisdição (e até mesmo o direito de recurso das decisões judiciais para uma instância superior) ser considerado verdadeiro direito fundamental, ainda que sob o ponto de vista meramente material, até mesmo em face de absoluta ausência de incompatibilidade com a atual sistemática da Constituição.[15]

Ainda, o disposto no artigo 5º, § 3º, da Carta Constitucional, introduzido pela Emenda Constitucional n. 45/2004:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Como a ratificação do Pacto de São José da Costa Rica[16] ocorreu antes da Emenda 45/2004, continuam válidas as considerações de SARLET, no sentido de que a incorporação da Convenção Americana dos Direitos Humanos ao direito interno serve para imprimir-lhe força de lei e reforçar o entendimento, fundado numa interpretação sistemática, de que o princípio do duplo grau de jurisdição pode enquadrar-se na categoria dos direitos fundamentais implícitos.

Mesmo assim, reforça TESHEINER, permanece a possibilidade de se estabelecer restrições ao direito de recorrer, porque nenhum direito fundamental é imune a restrições, mesmo que se trate de direito que não se encontra sob a reserva (simples ou qualificada) de lei, como afirma o próprio SARLET no citado artigo, quando diz que a simples previsão de instâncias recursais na Constituição não autriza a conclusão de que nela está garatido, ao menos de forma absoluta, o duplo grau de jurisdição.[17]

Argumenta-se que o duplo grau de jurisdição estaria inserido no princípio que assegura o devido processo legal (art. 5º, LV[18]). De outro lado, sustenta-se que tal princípio pode ser atendido mesmo que não se garanta o duplo grau, mesmo porque a proteção excessiva pode significar um obstáculo à tempestividade da tutela jurisdicional.

Assim, a relação entre o devido processo legal e o duplo grau de jurisdição deve conter a ressalva de que a aplicação deste princípio precisa ser moderada, para que o processo civil não se divorcie da realidade contemporânea, que procura garantir uma justiça mais célere e efetiva, porém segura, pois o uso indiscriminado de recursos contra toda e qualquer decisão judicial pode gerar um abalo na credibilidade dos juízes de primeiro grau, com prejuízo ao próprio princípio do devido processo legal.[19]

É o que afirma ORESTE NESTOR DE SOUZA LASPRO: “os princípios do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição, apesar de ligados entre si, não traduzem relação de dependência ou continência. Isso porque é possível assegurar o devido processo legal sem o duplo grau de jurisdição e vice-versa.”[20]

Quanto às garantias do contraditório e da ampla defesa, muito embora asseguradas pelo inciso LV do artigo 5º, com os meios e recursos a esta inerentes, não se pode desconsiderar o fato de que nem todo o recurso implica reexame por órgão diverso daquele que proferiu a decisão, não garantindo assim o duplo grau de jurisdição. É o caso, por exemplo, dos embargos de declaração, elencados no Código de Processo Civil como recurso, no qual a decisão é submetida ao mesmo juiz que a prolatou.

No artigo 92[21] e seguintes, embora não de forma absoluta, bem como nos artigos 102 e 105, a Constituição expressa claramente a possibilidade de interposição de recurso contra as decisões judiciais, ao mencionar os órgãos que compõem o Poder Judiciário e ao estabelecer a competência dos tribunais de superposição para o julgamento de recurso ordinário, extraordinário e especial.

Poder-se-ia argumentar, também, que no artigo 108, inciso II, da Constituição Federal[22], onde se estabelece a competência dos Tribunais Regionais Federais, encontra-se a competência de julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.

A partir desta verificação, podemos afirmar que propiciar recurso, sempre, das decisões de primeiro grau proferidas no âmbito da justiça federal, excluindo esses recursos na justiça comum implicaria dar aos litigantes tratamento diverso, quando todos eles estão sujeitos à disciplina do mesmo Código de Processo Civil e são titulares do mesmo direito subjetivo público à prestação jurisdicional. Ora, se o legislador poderia discriminar em termos de procedimento, diversificando-os em cada caso concreto, não poderia discriminar em termos de garantias processuais, prevendo-as ou eliminando-as em decorrência do tipo de processo ou de procedimento, ou dos sujeitos da lide, violando o princípio que consagra a igualdade de tratamento de todos perante a lei.[23]

Isto poderia significar que o ordenamento constitucional brasileiro consagra a orientação vigente em todo o mundo civilizado atual, de adoção do duplo grau de jurisdição, superando definitivamente o vetusto entendimento doutrinário que apontava supostos males que desaconselhavam a admissibilidade de recurso contra decisões judiciais, ao argumento de que a confirmação do julgado em segunda instância seria uma desnecessária e antieconômica duplicação de atividades.[24]

No entanto, diferentemente de outros princípios integrantes da tutela constitucional do processo (contraditório, ampla defesa, devido processo legal, licitude das provas – art 5º, inc. LIV, LV e LVI ), entendemos que o princípio do duplo grau de jurisdição não é imposto pela Constituição Federal com a exigência de ser invariavelmente observado pela lei.

Com efeito, o inciso LV da Constituição Federal garante aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, ou seja, não diz que todo e qualquer processo no qual se assegura a ampla defesa deve ser submetido a um duplo juízo. Por isso, MARINONI afirma que:

Os recursos nem sempre são inerentes à ampla defesa; nos casos em que não é razoável a previsão de um duplo juízo sobre o mérito, como nas hipóteses das causas denominadas de “menor complexidade” – que sofre os efeitos benéficos da oralidade-, ou em outras, assim não definidas, mas que também possam justificar, racionalmente, uma única decisão, não há inconstitucionalidade na dispensa do duplo juízo.[25]

A par da inexistência de previsão expressa, a própria Carta Constitucional prevê casos em que a prestação jurisdicional será prestada em único grau, sem possibilidade de recurso, como no artigo 102, que elenca em seu inciso I mais de dez hipóteses em que inexiste recurso possível[26], à semelhança do que também ocorre nos casos de processos de competência originária dos tribunais da Justiça Comum (Regionais Federais, de Justiça e de Alçada), cujas decisões somente poderão ser revistas em sede de recurso extraordinário ou especial, se presentes os requisitos de admissibilidade.

NELSON NERY JÚNIOR, contudo, sustenta o contrário: que a própria Constituição Federal dá a tônica, os contornos e os limites do duplo grau de jurisdição:

Segundo a Constituição Federal vigente, há previsão para o princípio do duplo grau de jurisdição, quando se estabelece que os tribunais do país terão competência para julgar causas origináriamente e em grau de recurso. Na CF 102 II, dizendo que o STF conhecerá, em grau de recurso ordinário, outras determinadas e, também, pelo n. III do mesmo dispositivo constitucional, tomará conhecimento, mediante recurso extraordinário, das hipóteses que enumera, evidentemente criou o duplo grau de jurisdição.[27]

O jurista ressalva que a Constituição limita o âmbito de abrangência do princípio do duplo grau de jurisdição, ao enumerar casos em que tem cabimento o recurso ordinário ou extraordinário, dizendo que as decisões proferidas pelo Tribunal Superior Eleitoral são irrecorríveis, salvo quando contrárias à Constituição, diferentemente do que ocorre no processo penal, no qual não haveria restrições ao princípio.

Conclui NERY sustentando que, embora o duplo grau tenha previsão constitucional e incidência limitada, está garantido pela lei maior, de modo que a lei ordinária não poderá suprimir, pura e simplesmente, os recursos previstos naquela, cabendo ao legislador infraconstitucional tornar a regra efetiva, imprimindo operatividade ao duplo grau jurisdicional, o que explica a existência de leis que restringem o cabimento de recursos, sem serem, no entanto, inconstitucionais. [28]

Do mesmo modo entende GILSON DELGADO MIRANDA.[29]

LUIZ GUILHERME MARINONI, por sua vez, diverge diametralmente do entendimento de NERY e de MIRANDA. Ressalva que a previsão do cabimento do recurso especial nas causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais Estaduais, do Distrito Federal e Territórios, “evidentemente não garante ao litigante o direito ao recurso contra toda e qualquer decisão que venha a ser proferida pelo juiz de primeiro grau. Prever a possibilidade de interposição de recursos aos tribunais superiores não é o mesmo que garantir o duplo grau.”[30]

No que diz respeito ao inciso III do artigo 102 da Constituição Federal, MARINONI destaca que tal dispositivo não exige, para o cabimento do recurso extraordinário, que a decisão tenha sido proferida por tribunal. Sustenta que, fosse a intenção do legislador, ao prever os recursos aos tribunais superiores, garantir a interposição do recurso de apelação, não teria aberto a possibilidade de interposição de recurso extraordinário contra decisão de primeiro grau de jursidição.

Aduz ainda que, “na realidade, quando a Constituição garantiu o recurso extraordinário contra decisão de primeiro grau, afirmou que o direito ao duplo grau não é imprescindível ao devido processo legal”.[31] Ao fazer tal afirmação, MARINONI se refere às decisões proferidas pelas Turmas Recursais, das quais não cabe apelação aos tribunais locais nem recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, e aos embargos a execuções ficais de pequeno valor, muito embora entendamos que o caso das Turmas Recursais configura o que se denomina duplo grau de jurisdição horizontal, pois o reexame é feito por juízes de mesma hierarquia do que proferiu a decisão.

Também entendendo que o duplo grau de jurisdição deve permitir a respreciação completa da causa posta em juízo no “primeiro grau”, o que implica a conclusão de que a previsão dos recursos extraordinário e especial não representa garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, GERSON LUIZ CARLOS BRANCO diz:

A compreensão do duplo grau de jurisdição não depende só da possibilidade de recorribilidade das decisões judiciais, mas de que no recurso exista a possibilidade de conhecimento de toda a matéria posta no julgamento anterior, inclusive no que diz respeito à análise da prova e fatos em geral, além daquelas que dizem respeito às questões eminentemente jurídicas.[32]
Outra demonstração da inexistência de previsão do duplo grau na Constituição Federal é que, à exceção do recurso ordinário em habeas corpus cível e mandado de segurança denegados perante os tribunais regionais federais e tribunais estaduais, nenhuma outra ação julgada originalmente nessas Cortes está sujeita à cognição ampla do duplo grau de jurisdição (CF, art. 105, inc. II, alíneas a e b). E nas causas processadas e julgadas originalmente pelo Superior Tribunal de Justiça, somente o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção, também na hipótese de decisão denegatória (CF, art. 102, inc. II, alínea a).[33]

Não se discute que a lei ordinária não pode revogar recursos constitucionais, em decorrência da hierarquia das fontes legislativas, e não de qualquer regra ou princípio referente ao duplo grau. E é justamente da ausência de previsão constitucional para o “princípio” do duplo grau de jurisdição que decorre a constitucionalidade de legislação infraconstitucional que limite, por exemplo, os casos em que cabível recurso de apelação, como ocorre na Lei de Execuções Fiscais, ou em outros casos nos quais a lei processual civil veda expressamente a interposição de qualquer recurso contra uma determinada decisão.[34]

E, se de algum modo poderia ser limitada a interposição de recurso especial ou extraordinário, mesmo que presentes expressamente no texto constitucional, também é verdade que, por vias mais sutis, o ordenamento obsta por completo a utilização do recurso especial, quando chama o órgão recursal dos juizados especiais cíveis de Turmas Recursais e não de Tribunais Recursais.[35]

Assim, entendemos que a previsão dos recursos extraordinário e especial na Constituição Federal não garante o duplo grau de jurisdição, pois se sabe que as Cortes Superiores não reexaminam a causa em sua completa extensão, mas apenas questões de direito. Portanto, entendemos que a previsão de recursos na Constituição Federal não tem o condão de garantir implicitamente o duplo grau de jurisdição em nosso sistema processual, como sustenta parte da doutrina.

As decisões mais recentes proferidas pelo Supremo Tribunal Federal têm firme orioentação no sentido de que o duplo grau jurisdicional não é garantua constitucional. Menciona-se[36]:

...Diante do disposto no inciso III do artigo 102 da Carta Política da República, no que revela cabível o extraordinário contra decisão de última ou única instância, o duplo grau de jurisdição, no âmbito da recorribilidade ordinária, não consubstancia garantia constitucional.[37]

...Não tem razão recorrente quando pretende que, em face do disposto no artigo 5º, LV, parágrafp 1º, da Constituição Federal, esta constitucionalizou o princípio do duplo grau de jurisdição, não mais admitindo decisões de única instância, razão porque não foi recebida pela nova ordem constitucional a Lei n. 5.584/70.[38]

...Acórdão que, em ação penal originária, condenou o recorrente com base na prova dos autos. Pretensão de reexame da matéria de fato. Duplo grau de jurisdição. Questão insuscetível de ser apreciada ante a impossibilidadie de reexaminar-se em sede extraordinária a matéria de fato, aonda que em processo criminal de competência originária do Tribunal de Justiça, não sendo o duplo grau de jurisdição uma garantia constitucional.[39]

Na esteira do que dispõe o texto da Constituição, e implementando o devido processo legal, o Código de Processo Civil evidencia que a ampla recorribilidade das decisões judiciais está prevista em nosso sistema, como se vê pelos recursos elencados no artigo 496. Já ao determinar no artigo 504 (já com a nova redação que lhe deu a Lei n. 11.276/06) que dos despachos não cabe recurso, a Lei Processual parece apontar, a contrario sensu, que de toda a decisão, seja ela sentença, acórdão, decisão interlocutória ou monocrática, caberá recurso, muito embora a mesma lei exclua este cabimento em alguns casos, o que certamente decorre muito mais de conveniência ou política legislativa processual do que de uma imposição do sistema.[40] A idéia é afirmada por EDUARDO CAMBI:

A questão do duplo grau de jurisdição passa a ser encarada como um problema de política legislativa processual, não como um fator de legitimação da Constituição, já que a efetiva tutela jurisdicional não estaria, necessariamente, ameaçada se houvesse uma única instância para apreciar e julgar os conflitos de interesses.[41]

Pode-se citar como exemplo o artigo 34 da Lei 6.830/50, que restringe o uso do recurso de apelação a causas com valor superior a 50 salários mínimos e da Lei 9.099/95, que estipula o cabimento de recurso contra sentença do juiz singular para o próprio Juizado, sem falar em apelação para o segundo grau de jurisdição.

A exemplo da análise que fizemos sobre os recursos no âmbito dos juizados especiais cíveis e do reexame necessário, importante tratarmos, ainda que brevemente, acerca da Lei n. 10.352/01 acrescentou ao artigo 515 do CPC o parágrafo terceiro, que determina que “nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

À exceção do reexame necessário, nem mesmo o Código de Processo Civil vigente contemplou o princípio do duplo grau de jurisdição. Mesmo aí, entretanto, a duplicidade obrigatória dos julgamentos proferidos em desfavor da Fazenda Pública já foi fortemente mitigada pela Lei n. 10.352/01, ao alterar a redação do artigo 475, afastando a remessa obrigatória ao segundo grau quando o valor controvertido não exceder a sessenta salários mínimos e quando a decisão estiverfundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula desse Tribunal ou do tribunal superior competente[42]. O mesmo se poderia dizer também sobre o parágrafo 3º do artigo 515.
Alguns doutrinadores alegam que tal julgamento implicaria violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, porquanto garantia constitucional, ainda que não expressamente prevista.

Para JOÃO CARLOS PESTANA DE AGUIAR, sendo a lide o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, essa modalidade de julgamento antecipado do mérito revela-se temerária, dizendo que, ao autor vencido ab initio, não convém correr tamanho risco. Sustenta que, além do princípio do duplo grau de jurisdição, outras regras processuais teria sido desconsideradas, como a do tantum devolutum quantum appellatum, do interesse em recorrer e da reformatio in pejus, diante da possibilidade de julgamento imediato do mérito contra o próprio apelante.[43]

DINAMARCO diverge deste entendimento, e, entendemos, que com total acerto, dizendo não haver quebra do devido processo legal, nem tampouco exclusão do contraditório, pois o julgamento feito pelo tribunal incidirá sobre o processo precisamente no ponto em que incidiria a sentença do juiz inferior, sem privar o autor de qualquer oportunidade para alegar, provar ou argumentar – oportunidades que ele também já não teria se o processo voltasse para ser sentenciado em primeiro grau de jurisdição.[44]

Sustenta, ainda, que essa inovação atende ao propósito de acelerar a outorga da tutela jurisdicional, rompendo com um histórico e prestigioso mito, que ao longo dos séculos os processualistas alimentam sem discutir, não havendo motivos para levar tão longe um culto que não é indispensável para garantir um julgamento équo e justo. Diz também que, estando a causa em condições de ser julgada, não há motivos para exigir a volta do processo ao primeiro grau de jurisdição para só então se proferir decisão de mérito, dando azo à interposição de novo recurso.[45]

Mencionamos, ainda, em amparo à tese de que o duplo grau de jurisdição não é garantia constitucional, o parágrafo 1º do artigo 518 do Código de Processo Civil, acrescido pela Lei n. 11.276/06, que dá ao juiz a prerrogativa de não receber o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, visando à redução do número de insurgências desprovidas de chances de êxito e à maior celeridade na tramitação das demandas. A solução, contudo, não é imune a críticas, como a de NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY[46], para quem o duplo grau de jurisdição é garantia fundamental e não permitiria o exercício de futurologia em detrimento do direito das partes.

Por fim, se partirmos da premissa de que o duplo grau de jurisdição não se encontra previsto em nossa Carta Constitucional, podemos reconhecê-lo como princípio ou regra em nosso sistema?

Procuraremos, diante da questão, definir a natureza do duplo grau de jurisdição. Como vimos até aqui, a doutrina o classifica ora como princípio, ora como garantia. Entendemos, contudo, que se trata de regra. O duplo grau de jurisdição pode ser resumido em dois preceitos – um positivo e outro negativo – interligados: (i) de toda a decisão caberá recurso capaz de ensejar a reapreciação de toda a matéria decidida (preceito positivo) e (ii) não poderá haver decisão irrecorrível (preceito negativo).[47]

Há, portanto, uma permissão no preceito positivo e uma proibição no preceito negativo. HUMBERTO ÁVILA afirma que “as regra são normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição de conduta a ser adotada.”[48]

Portanto, podemos afirmar que não se encontram presentes no duplo grau de jurisdição as características inerentes aos princípios, ou seja, “um estado de coisas para cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos.”[49] A regra geral do duplo grau auxilia o atingimento de determinados estados de coisas, como a segurança, da ampla defesa, do contraditório, etc. Estes são verdadeiros princípios, não o duplo grau, regra composta de dois preceitos: um positivo e outro negativo.


IV.    Conclusões.

Diante dos ensinamentos doutrinários e dos precedentes jurisprudenciais analisados, concluímos que o duplo grau de jurisdição é um sistema jurídico que admite duas decisões válidas e completas, proferidas por juízes diferentes, sempre com a prevalência da segunda sobre a primeira.

Embora reconheçamos os bons argumentos trazidos na doutrina que mostram as vantagens do duplo grau de jurisdição, como a maior independência e experiência do órgão recursal, a possibilidade de erro ou arbitrariedade do juízo singular, o controle psicológico exercido sobre o juiz de primeiro grau, entendemos, mesmo assim, não terem esses elementos o condão de garantir uma decisão necessariamente mais justa, mais isenta ou mais garantidora da defesa das partes, razão pela qual não é o duplo grau um elemento do devido processo legal e tampouco um direito constitucional, mesmo porque não há qualquer previsão explícita na Carta Constitucional a esse respeito, o que nos permite sustentar não ter sido intenção do legislador alçar o duplo grau de jurisdição a tal condição.

A compreensão do duplo grau de jurisdição não depende apenas da possibilidade de interposição de recursos contra decisões judiciais, mas de que exista, no novo julgamento que será proferido, nova análise não apenas das questões jurídicas, mas também dos fatos e das provas que permeiam a controvérsia posta em juízo.

Também por este motivo, não se pode considerar como duplo grau de jurisdição a possibilidade estreita de interposição dos recursos especial e extraordinário, nos quais a cognição é limitada à existência ou não de violação da lei.

O que se percebe, outrossim, no Direito Processual Civil brasileiro, é uma tendência de, gradativamente, mitigar o duplo grau de jurisdição e dar imediata eficácia às decisões judiciais proferidas em primeiro grau. Isto fica claro não apenas pelas alterações trazidas nos artigos 475, 515 parágrafo 3º e 518 parágrafo 1º, mas também pela ampliação do rol de hipóteses em que o recurso de apelação terá efeito meramente devolutivo.

A regra do duplo grau de jurisdição parece caminhar, assim, para deixar de ser um dogma e adequar-se à realidade que exige um processo mais célere e efetivo, não através da abolição da possibilidade de interposição dos recursos, mas de restrições que não comprometam as garantias previstas na Constituição Federal, mesmo porque é função destes uniformizar decisões judiciais, para o que se mostra imprescindível a atividade dos tribunais.






V.        Bibliografia

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[1] LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo Grau de Jurisdição no Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 27.
[2] BARBIERI, Maurício Lindenmayer. O duplo grau de jurisdição. In ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto (coord). Processo e Constituição, Editora Forense. Rio de Janeiro, 2004, p. 234.
[3] BERNI. Duílio Landell de Moura. O Duplo Grau de Jurisdição como Garantia Constitucional. In PORTO, Sérgio Gilberto (coord). As Garantias do Cidadão no Processo Civil. Ed. Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2003, p. 194.
[4] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. p. 237-238
[5] BARBIERI, Maurício Lindenmeyer. O duplo grau de jurisdição. In ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto (coord). Processo e Constituição, Editora Forense. Rio de Janeiro, 2004, p. 246.
[6] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, vol 2. Ed. Bookseller. Campinas, 1998, p. 99
[7] Idem, ibidem.
[8] Muito embora o próprio DINAMARCO mencione o argumento de dar ao vencido nova oportunidade de êxito, conforme já transcrevemos.
[9] MARINONI, Luiz Guilherme e Sérgio Cruz Arenhart. Op. Cit., p. 515.
[10] BRANCO, Gérson Luiz Carlos. Op. Cit. p. 213.
[11] MARINONI, Luiz Guilherme e Sérgio Cruz Arenhart. Op. Cit., p. 518.
[12] BRANCO, Gérson Luiz Carlos. Op. Cit. p. 214.
[13] Diz o art. 8º do Decreto n. 678, de 06 de novembro de 1992, poblicado no DOU de 9 de novembro de 1992: 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um processo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determine seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, as seguintes garantias mínimas:
...
h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.
[14] SARLET, Ingo Wolfgang. Valor de alçada e limitação do acesso ao duplo grau de jurisdição: problematização em nível constitucional, à luz de um conceito material de direitos fundamentais. In Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 66, p. 85-129.
[15] Disponível em www.tex.pro.br. Publicado em 17/12/2005. Consulta em 15/01/2006.
[16] Ressalvamos que o pacto de São José da Costa Rica se refere a matéria penal.
[17] SARLET, Ingo Wolfgang. Valor de alçada e limitação do acesso ao duplo grau de jurisdição: problematização em nível constitucional, à luz de um conceito material de direitos fundamentais. In Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 66, p. 126.
[18] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
[19] BERNI. Duílio Landell de Moura. Op. Cit., p. 211.
[20] LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo Grau de Jurisdição no Direito Processual Civil. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 1995, p. 197..
[21] Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:
I - o Supremo Tribunal Federal;
II - o Superior Tribunal de Justiça;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juízes Militares;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.
Parágrafo único. O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional.
[22] Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
II - julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.
[23] BARBIERI, Maurício Lindenmayer. Op. Cit., p. 242.
[24] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. I, 4. Ed. rev. e atual. e com as remissões ao Código Civil de 2002. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2004, p. 237.
[25] MARINONI, Luiz Guilherme e Sérgio Cruz Arenhart. Op. Cit., p. 523.
[26] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; "
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente- Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;"
d) o "habeas-corpus", sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o "habeas-data" contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;
e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território;
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;
g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;
h) a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão do "exequatur" às cartas rogatórias, que podem ser conferidas pelo regimento interno a seu Presidente;
i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância;
j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;
l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;
o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;
p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;
q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;
[27] JÚNIOR, Nelson Nery. Teoria Geral dos Recursos. Editora Revista dos Tribunais. 6ª edição. São Paulo, 2004, p. 40-41.
[28] Idem, ibidem.
[29] MARCATO, Antônio Carlos e outros. Código de Processo Civil Interpretado. Editora Atlas. São Paulo, 2004, p. 1515.
[30] MARINONI, Luiz Guilherme e Sérgio Cruz Arenhart. Manual do Processo de Conhecimento. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2ª edição, 2003, p. 522-523.
[31] Idem, ibidem.
[32] BRANCO, Gérson Luiz Carlos. Op. Cit. p. 187.
[33] AMORIM, Aderbal Torres de. Recursos Cíveis Ordinários. Livraria do Advogado Editora. Porto Alegre, 2005, p. 34.
[34] AMARAL, Guilherme R. Artigo não publicado.
[35] AMARAL, Guilherme R. Artigo não publicado.
[36] BRANCO, Gérson Luiz Carlos. Op. Cit., p. 207.
[37] Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. AGRAG n. 209.954-SP, Relator Ministro Marco Aurélio Melo, j. em 15.09.1998, DJ 04.12.1998.
[38] Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. AGRAG n. 201.287-DF, Relator Ministro Moreira Alves, j. em 01.10.1997, DJ 05.09.1997.
[39] Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. AGRAG n. 248.761-RJ, Relator Ministro Ilmar Galvão, j. em 11.04.2000, DJ 23.06.2000.
[40] [40] AMARAL, Guilherme R. Artigo não publicado.
[41] CAMBI, Eduardo. Efeito devolutivo da apelação e duplo grau de jurisdição. In MARINONI, Luiz Guilherme (coord.) A segunda etapa da reforma processual civil. São Paulo. Malheiros, 2001, p. 250.
[42] Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).
§ 1o Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.
§ 2o Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
§ 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.
[43] PESTANA DE AGUIAR, João Carlos. Recursos Extraordinário e Especial. Editora Espaço Jurídico. Rio de Janeiro, 2004, p. 16.
[44] DINAMARCO. A Reforma da Reforma. 3ª edição, revista e atualizada. Malheiros Editores. São Paulo, 2003, p. 160.
[45] DINAMARCO. A Reforma da Reforma. 3ª edição, revista e atualizada. Malheiros Editores. São Paulo, 2003, p. 151-152.
[46] JÚNIOR, Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 9ª edição, 2006, p. 748.
[47] AMARAL, Guilherme R. Artigo não publicado.
[48] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. Ed. Malheiros. São Paulo, 2003, p. 63.
[49] Idem.