O IBRAMA é uma entidade sem fins lucrativos que precipuamente se dedica ao assessoramento dos entes municipais: (1) na recuperação dos tributos sonegados pelas grandes organizações financeiras que operam em seus territórios através de estabelecimentos clandestinos (sem alvará e sem inscrição na prefeitura), sonegando pantagruélicos valores de ISS, especialmente os incidentes nos negócios de arrendamento mercantil e nas cobranças das contas dos cartões de crédito e de débito; (2) na implantação da nota fiscal eletrônica; (3) na recuperação dos valores superfaturados nas contas de iluminação pública; (4) no incremento da arrecadação do IPTU e ITR; (5) na recuperação dos pagamentos indevidos à União e INSS; e (6) na recuperação dos pagamentos em duplicidade de PIS/COFINS nas contas de energia e telefones.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

COBRANÇA PELO USO DO SOLO - JUSTIÇA FEDERAL CONFIRMA DIREITO DE ALEGRETE/RS











JUSTIÇA FEDERAL DE URUGUAIANA CONFIRMA TESE DA RETRIBUIÇÃO SOBRE O USO DO SOLO, DO MUNICÍPIO DE ALEGRETE/RS.










AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2003.71.03.000723-3/RS

AUTOR
:
AES SUL DISTRIBUIDORA GAUCHA DE ENERGIA S.A
ADVOGADO
:
LUIS RENATO FERREIRA DA SILVA

:
VINICIUS DE OLIVEIRA BERNI
AUTOR
:
AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL
RÉU
:
MUNICIPIO DE ALEGRETE
ADVOGADO
:
CLAUDIO ROBERTO NUNES GOLGO


SENTENÇA





Trata-se de Ação Ordinária ajuizada pela AES SUL Distribuidora Gaúcha de Energia S/A contra o Município de Alegrete/RS na qual se discute cobrança de valores pela utilização do solo municipal. Alega, a parte autora, que, no exercício de suas atividades se utiliza de linhas de distribuição de energia elétrica que são formadas por cabos e equipamentos, os quais são sustentados por postes, que por sua vez são fixados ao solo. Aduz que a parte ré, por intermédio da Lei nº 3.127/2001, passou a exigir da autora a retribuição pecuniária pelo uso do solo. Afirma ser inconstitucional a legislação municipal que criou a referida retribuição, por ausência de competência do Município para legislar sobre tal matéria. Asseverou inexistir fundamento para a cobrança da retribuição pelo uso do solo. Requereu a antecipação dos efeitos da sentença. Requereu a procedência do pedido. Juntou documentos e procuração.


A União veio aos autos para dizer que não possui interesse no feito (fl. 232). Diante da manifestação da União, este Juízo declinou da competência em favor da Justiça Estadual (fl. 234). A ANEEL manifestou interesse na causa, requerendo fosse admitida na qualidade de litisconsorte ativo (fls. 236/238), razão pela qual foi reconsiderada a decisão da fl. 234.


A antecipação da tutela foi indeferida (fl. 272).


A parte ré apresentou contestação (fls. 307/346). Sustenta a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a presente ação. Alega haver litispendência entre a presente ação ordinária e os embargos à execução interpostos pela autora contra a execução fiscal que tramita perante a Justiça Estadual. No mérito, sustenta que não há ilegalidade ou irregularidade na cobrança pelo uso dos bens públicos. Requer a improcedência do pedido. Juntou procuração e documentos. Colacionou precedentes jurisprudenciais.


A parte ré, por intermédio de exceção, argüiu a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a presente ação, tendo sido rejeita tal exceção, conforme decisão acostada mediante cópia às fls. 497/499.


Intimadas para especificarem de forma justificada eventuais provas que ainda pretendessem produzir, a AES SUL disse não possuir provas a produzir, tendo a ANEEL manifestando-se no sentido de que em se tratando de matéria eminentemente de direito, não pretendia produzir provas. A parte ré quedou silente, conforme certidão lançada à fl. 505 v.


Vieram-me os autos conclusos para sentença.


RELATEI. DECIDO.


Da preliminar.


Sustenta a parte ré a incompetência deste Juízo para processar e julgar este feito aduzindo haver litispendência entre a presente ação ordinária e os embargos à execução fiscal interpostos pela autora, os quais tramitam perante a Justiça Estadual.


Destaco que a parte ré argüiu a incompetência deste Juízo Federal por intermédio de exceção de incompetência, a qual restou rejeitada porque, em suma, não lhe assiste razão quando alega existir litispendência por conexão entre esta ação e a execução fiscal que tramita perante a Justiça Estadual, bem como em decorrência do ingresso da ANEEL neste feito, o que acabou por firmar a competência da Justiça Federal para processamento e julgamento da presente ação, conforme decisão acostada às fls. 497/499.


Assim, em já tendo sido enfrentada a questão e nada de novo tendo vindo aos autos para afastar tal entendimento, rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito.


Do mérito.


No mérito, não prospera a pretensão.


É que a cobrança em questão se encontra amparada em base legal, qual seja, a Lei nº 3.127/2001 do Município de Alegrete, que estipulou retribuição pecuniária pelo uso do solo, subsolo e espaço aéreo municipal, a ser paga pelas empresas que venham a fazer uso de tais bens.


A parte autora sustenta a inconstitucionalidade da referida lei, sob o argumento de que o Município de Alegrete teria extrapolado sua competência legislativa, invadindo a competência legislativa privativa da União.


Ocorre que a Lei Municipal nº 3.127/2001, ao estipular retribuição pelo uso de bens municipais, não está tratando de matéria que seja de competência legislativa exclusiva da União, pois, ainda que a concessão dos serviços públicos de geração e transmissão de energia elétrica sejam competência material da União (art. 21, XII, b, da CF/88), cabendo-lhe a competência exclusiva de legislar sobre energia (art. 22, IV, da CF/88), a mesma Constituição Federal reserva aos Municípios a competência para legislarem sobre assuntos de interesse local (art 30, I, da CF/88), que é do que se trata quando estamos diante da forma como se dará o uso de bens municipais, e eventual remuneração por tal uso.


A geração e transmissão de energia são assuntos, e competência, da União. O uso de bens municipais, que é do que se trata no presente caso, é assunto de interesse local do Município, e competência deste.


Destaco que a Lei Municipal nº 3.127/2001 disciplina as formas de utilização dos bens públicos municipais e a retribuição pecuniária por tal uso, sendo que no caso dos autos, a retribuição decorre do espaço ocupado pelos postes utilizados pela autora para distribuir energia na comunidade, de maneira que a referida lei não está disciplinado o regime de concessões públicas de energia elétrica, tampouco acerca do regime tarifário ou demais questões de competência exclusiva da União.


Sustenta a autora a inexistência de fundamento para a cobrança da retribuição pelo uso do solo com base no direito administrativo, uma vez que entende estar amparada por legislação federal (art. 2º do Decreto nº 84.398/80), o qual afastaria a onerosidade sobre o uso de terrenos de domínio público, de tal sorte que a lei municipal em comento seria contraria às disposições contidas na legislação federal.


Inicialmente, aponto que a norma invocada pela autora se trata de um decreto, ato administrativo emanado do chefe do executivo federal, o qual vincula a administração federal no seu âmbito interno.


Daí, que não pode a União, por intermédio de um mero decreto impor conduta aos demais entes estatais. E não se trata dos extintos decretos-leis ou de medida provisória, dotada de efeitos de lei, mas de mero decreto.


Aponto que o Município, nesta hipótese, ostenta a condição de administrado, cujas imposições administrativas de conduta por parte da União aos entes estatais necessitam previamente de lei e não de mero decreto.


Merece ser lembrado que a Constituição Federal de 1988 erigiu o Município como entidade federativa indispensável ao sistema federativo, integrado na organização político-administrativa, tendo, ainda, a Carta Magna garantido-lhe plena autonomia.


Assim, mostra-se inviável a pretensão da autora de, com base em decreto do chefe do executivo federal, impor ao Município a conduta de permitir o uso gratuito de bens municipais.


Também não prospera a alegação da autora de que a cobrança exigida pela parte ré contraria frontalmente o conteúdo do Edital de Licitação e o Contrato de Concessão do serviço público de distribuição de energia elétrica visto que não está o Município obrigado por Edital ou Contrato Administrativo federais de que não é parte.


Os ajustes entre o poder federal concedente e a concessionária do serviço público, que foram objeto do contrato de concessão de serviço público, não se mostram suficientes para que seja arredado o poder do ente público municipal de estipular e exigir a justa remuneração pela utilização de seus bens pela concessionária de serviço público concedido pela União.


E a possibilidade de retribuição pelo uso dos bens públicos encontra-se expressamente contemplada, tanto no art. 68 do Código Civil vigente ao tempo da lei municipal em comento, bem como no artigo 103 do Código Civil atualmente em vigor.


"Art. 68. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito, ou retribuído, conforme as leis da União, dos Estados, ou dos Municípios, a cuja administração pertencerem."


Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem."


Tal dispositivo, além de prever a possibilidade de retribuição pelo uso dos bens públicos, deixa claro que cabe à entidade a qual pertença o bem estabelecer, por lei, como será feita esta remuneração.


Portanto, não socorre à autora, em face do Município, evocação de isenção decorrente de norma infralegal federal, in casu, o Decreto nº 84.398, somente aplicável relativamente a bens da União.


Além de evocar a isenção supra repudiada, a parte autora alega, ainda, a impossibilidade geral da cobrança de retribuição pecuniária pretendida pelo uso de bem público já pelo fato de se tratar de bem de uso comum.


Ou seja, tratando-se as vias públicas de bens de uso comum, não poderia o uso destes bens ser cobrado.


Tal, igualmente, não prospera.


É que, no caso vertente, trata-se de uso especial do bem de uso comum, situação totalmente divorciada da destinação geral de uso do bem comum.


Isso porque os bens de uso comum, tais como ruas, praças e estradas, estão abertos à utilização de todos; no entanto, deve ser levado em consideração o uso que será feito de tais bens.


Evidentemente que caminhar pela rua, passear pela praça e trafegar pela estrada, estão em consonância com a destinação comum a que têm tais bens.


Diferente é uso dos bens pelas empresas de energia elétrica, telefonia, tv a cabo, publicidade e tantas outras prestadores de serviço, que estão a utilizar o bem de uso comum de outra forma que não a destinação comum e geral de tais bens.


Seria questionável, por exemplo, se estivesse sendo exigindo da concessionária retribuição diferenciada pelo fato de os seus veículos estarem utilizando as vias municipais, pois está é a sua destinação comum. E, dependendo do que dispõe a lei, o uso de tais bens pode se dar de forma gratuita ou remunerada como ocorre com o pedágio, hipótese em que a circulação de veículos em uma estrada é livre, mas os motoristas devem pagar para fazer uso do bem de uso comum.


No caso, se tratando de uma empresa particular que realiza atividade econômica lucrativa, tenho que é legítima a cobrança de remuneração pelo uso específico que apenas esta faz de bens públicos municipais, ainda que de uso comum.


Assinalo que o art. 103 do Código Civil, acima reproduzido, ao disciplinar o uso de bens públicos, não faz qualquer distinção quanto ao tipo de bem público, donde o uso de qualquer bem público pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem os bens.


É certo que a retribuição pelo uso de bem comum deve respeitar as peculiaridades inerentes à destinação do bem. E claro é, também, que tal está respeitado pela exigência do Município na hipótese dos autos, onde uma empresa privada vende energia elétrica, em atividade privada de exploração de serviços públicos, com fim de lucro, utilizando o espaço urbano para disposição de postes da rede de transmissão.


Mesmo na prestação de serviço público, não é admissível a empresa privada, concessionária do serviço, sendo o serviço público mas os lucros privados, pretender se utilizar, sem qualquer ônus, de bens municipais, sob o pretexto de que se trata de utilização de bem de uso comum para a prestação de um serviço público.


Aceitar a pretensa gratuidade seria acolher o surgimento de uma forma de discriminação, onde o usuário especial (empresa prestadora de serviço) teria uma prerrogativa da qual os demais usuários do bem, aqueles que usam o bem de uso comum para o fim a que se destina de forma geral, não dispõem.


Por fim, quanto à argüição de ausência de fundamento para a cobrança da retribuição pelo uso do solo com base na competência tributária dos municípios, tal também não se sustenta.


É que a renda auferida pelo município com a retribuição pelo uso de seus bens não pode ser tratada como receita derivada, ou seja, aquela decorrente da cobrança de impostos, taxas ou contribuições de melhorias. Trata-se, isto sim, de receita patrimonial ou originária.


Régis Fernandes de Oliveira (Curso de Direito Financeiro, p. 176, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006) diz que se cuida de entrada originária, e não de derivada, pois a receita não é proveniente do patrimônio do particular, mas da exploração do bem público.


Assim, em se tratando de receita originária não cabe submetê-la ao sistema tributário como pretende a parte autora na busca de afastar o fundamento para tal exigência.


E o Egrégio Tribunal Regional da 4ª Região, nos autos do agravo de instrumento nº 2006.04.00.013086-4, reconheceu que a cobrança em questão se mostra possível e justa, conforme ementa que segue:


"EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. REMUNERAÇÃO PELA UTILIZAÇÃO DE BEM PÚBLICO 1. Em se tratando de bens públicos estaduais ou de bens públicos sob sua administração, possui o Governo Estadual competência para regulamentar a sua utilização, podendo, ainda, conceder tal prerrogativa a instituições legalmente habilitadas. 2. O interesse de maior relevância, no caso concreto, não é o da Autarquia Estadual nem o da concessionária. É o titularizado por aqueles que não integram a presente lide, quais sejam, os cidadãos consumidores que ficam privados do essencial serviço de energia elétrica, enquanto não solvido o conflito instalado entre a Autarquia Estadual e a empresa concessionária". (TRF4, AG 2006.04.00.013086-4, Terceira Turma, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. 13/03/2007)


O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul também entende da mesma forma:


"EMENTA: ADMINISTRATIVO. USO DE BEM PÚBLICO. UTILIZAÇÃO DE FAIXAS DE DOMÍNIO MEDIANTE REMUNERAÇÃO. DEPARTAMENTO AUTÔNOMO DE ESTRADAS DE RODAGEM. 1. A permissão de uso, como ato negocial, pode ser remunerada, não podendo ser considerada a referida remuneração como taxa, pois para tanto, faz-se necessário ter como fato gerador o ¿exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição¿ (CTN, art. 77; CF, art. 145, II), o que não é o caso. Não busca o DAER remuneração por serviço público ou poder de polícia, desenvolvidos pelo Estado. Pelo contrário, o que se persegue é mera remuneração pela utilização de bem público - faixa de domínio das estradas de rodagem sob a jurisdição do DAER/RS - mediante Termo de Permissão de Uso Especial Oneroso 2. É de incumbência precípua do próprio Estado ou de suas autarquias regular as condições, requisitos e contrapartidas quanto à utilização pelos particulares de bens públicos, podendo, ainda, conceder tal prerrogativa a instituições legalmente habilitadas. Não há óbice a que as autarquias instituam a cobrança de remuneração pela utilização das faixas de domínio de suas rodovias.APELO DESPROVIDO". (Apelação Cível Nº 70002492874, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em 12/06/2002).


Pelo exposto, é improcedente o pedido.




DISPOSITIVO.


Ante o exposto, superada a preliminar, julgo IMPROCEDENTE o pedido.
Condeno a parte autora nas custas processuais, já satisfeitas, e no pagamento de honorários advocatícios devidos à parte ré, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa, corrigido monetariamente quando do efetivo pagamento, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, honorários estes a serem suportados na proporção de ¾ (três quartos) pela AES SUL DISTRIBUIDORA GAÚCHA DE ENERGIA S.A. 1/4 (um quarto) pela AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA-ANEEL, distribuição esta atendendo ao fato de o interesse econômico precípuo no feito respeitar à primeira.


P.R.I.
Figurando a ANEEL como litisconsorte ativa e tendo sido julgado improcedente o pedido da parte autora, a presente sentença encontra-se sujeita ao reexame necessário.


Uruguaiana, 07 de novembro de 2007.


Guilherme Beltrami

Juiz Federal






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