O IBRAMA é uma entidade sem fins lucrativos que precipuamente se dedica ao assessoramento dos entes municipais: (1) na recuperação dos tributos sonegados pelas grandes organizações financeiras que operam em seus territórios através de estabelecimentos clandestinos (sem alvará e sem inscrição na prefeitura), sonegando pantagruélicos valores de ISS, especialmente os incidentes nos negócios de arrendamento mercantil e nas cobranças das contas dos cartões de crédito e de débito; (2) na implantação da nota fiscal eletrônica; (3) na recuperação dos valores superfaturados nas contas de iluminação pública; (4) no incremento da arrecadação do IPTU e ITR; (5) na recuperação dos pagamentos indevidos à União e INSS; e (6) na recuperação dos pagamentos em duplicidade de PIS/COFINS nas contas de energia e telefones.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

MINISTÉRIO PÚBLICO CATARINENSE SE ARREPENDE

MINISTÉRIO PÚBLICO SE ARREPENDE DA ACUSAÇÃO EQUIVOCADA E DESEMBARGADOR CATARINENSE MANDA ARQUIVAR PROCESSO-CRIME ABERTO CONTRA O PREFEITO DE ITAJAÍ E O ADVOGADO CLÁUDIO GOLGO


O texto do despacho a seguir reproduzido é elucidativo do que ocorreu:


Inquérito n. 2007.063949-3, da Capital
Autora: A Justiça, por seu Promotor
Promotores: Drs. Gercino Gerson Gomes Neto (Procurador-Geral de Justiça) e outro
Indiciado: Jandir Bellini
Advogados: Drs. Rodrigo Roberto da Silva (7517/SC) e outro
Indiciado: Fernando Deichmann Pereira
Advogado: Dr. Lourival Abreu (3128/SC)
Indiciado: Rogério Nassif Ribas
Advogado: Dr. Daltro Dias (10916/SC)
Indiciado: Rosalir Demboski de Souza
Advogados: Drs. Rodrigo Roberto da Silva (7517/SC) e outro
Indiciado: Cláudio Roberto Nunes Golgo
Advogado: Dr. Rafael Córdova de Carvalho (14071/SC)
Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho


DECISÃO MONOCRÁTICA

I   O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, por seu Procurador-Geral de Justiça, em atuação conjunta com a Subprocuradora-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos (Ato 51/2008/PGJ), ofereceu denúncia contra Jandir Bellini, Fernando Deichmann Pereira, Rogério Nassif Ribas e Rosalir Demboski de Souza –, pessoas que, à época dos fatos, ocupavam, respectivamente, os cargos de Prefeito, Secretário Municipal da Fazenda, Procurador-Geral e Secretária Municipal de Administração do Município de Itajaí –, e contra Cláudio Roberto Nunes Golgo, advogado responsável pelo escritório de advocacia "Claudio Golgo Advogados Associados S/A", imputando, aos quatro primeiros, a prática, em tese, do crime tipificado no art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93, e, ao último, o suposto cometimento da conduta prevista no parágrafo único do referido dispositivo legal, nos moldes do art. 29 do Código Penal, pois, segundo consta da peça acusatória, os denunciados teriam celebrado, no ano de 2002, contrato de prestação de serviços de advocacia entre o Município de Itajaí e o escritório "Claudio Golgo Advogados Associados S/A", além de posteriores aditivos, sem prévio procedimento licitatório, para recuperação de receita do imposto sobre serviços (ISS) incidente sobre os contratos de arrendamento mercantil e seguros, firmados no território daquele município.

Distribuídos inicialmente os autos de inquérito ao Tribunal Pleno (fl. 224), em virtude do cargo de Deputado Estadual ocupado por Jandir Bellini (art. 88, I, "a", da Lei Estadual n. 5.624/79), houve posterior deslocamento da competência para a Câmara Criminal, em face da eleição e posse do referido denunciado no cargo de Prefeito Municipal de Itajaí (fls. 742/744).

Regularmente notificados, conforme exige o art. 4º da Lei n. 8.038/90 (fl. 226), os indiciados apresentaram resposta, o que fizeram por meio de defensores constituídos – Rogério Nassif Ribas (fls. 258/279), Fernando Dichmann Pereira (fls. 313/323), Rosalir Demboski de Souza (fls. 434/459) e Jandir Bellini (fls. 618/650).

Considerando que todas as tentativas de encontrar Cláudio Roberto Nunes Golgo restaram infrutíferas (cf. certidões de fls. 608, 764, 777/v, 778/v e 783), procedeu-se à sua notificação por edital (art. 4º, § 2º, da Lei n. 8.038/90; fl. 793), sendo-lhe nomeado defensor dativo, na pessoa do advogado Rafael Córdoba de Carvalho (fl. 794), o qual apresentou a respectiva defesa prévia em favor do indiciado (fls. 802/803).

A Procuradoria-Geral de Justiça teve oportunidade de se manifestar sobre a documentação acostada às defesas preliminares (fls. 734/744).

Ainda na fase do art. 5º da Lei n. 8.038/90, este relator determinou a juntada de cópia da documentação referida na sentença de fl. 571, relativa ao julgamento conjunto da ação civil pública e da ação popular (autos n.'s 033.04.025743-9 e 033.05.014964-7), com posterior reabertura de vista dos autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 862/867).

II   O caso traduz situação em que houve tempestiva revisão da opinio delicti pelo órgão acusatório, o qual reconheceu a atipicidade dos fatos que serviram de suporte ao oferecimento da denúncia.

Com efeito, extrai-se da promoção ministerial de fls. 862/867:

"1 A classificação da denúncia:

O tipo penal posto inequivocamente à evidência como razão da persecutio criminis em tese consta definido no art. 89, e parágrafo único, da Lei nº 8.666/93 (Lei das Licitações), com a redação:

'Art. 89 – Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público'.

De par com a tormentosa e controvertida exegese doutrinária sobre essa figura penal, a começar pela abrangência do seu sujeito ativo, recorrente nas postulações havidas nos arts. 83 e 84 da própria lei de referência e no art. 327 do Código Penal, e que se derrama às condutas previstas no núcleo do tipo pelo conteúdo de especificidade, haja vista que tanto as hipóteses de dispensa, quanto de inexigência, são permitidas expressamente na lei, em disposição de numerus clausus, há condição de interrelação para a punibilidade, qual seja, a inferência de que o crime só se configura se ocorrer o seu antecedente lógico, isso é, o ilícito administrativo, que, por sua vez, segundo lição de Rui Stoco (in Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, 7ª edição, RT, p. 2556), está ligado ao princípio genérico do abuso do direito. Em suma: se há licitude no antecedente, considerando que a dispensa e a inexigibilidade são previstas e permitidas, deverá ocorrer licitude no consequente.

2 Fatos contextualizados penalmente atípicos:

No caso que ora se reexamina, concessa venia, os fatos contextualizados no procedimento administrativo preliminar, que serviram de suporte ao oferecimento da denúncia, já demandavam acurada análise de pertinência pela razão mesma dos documentos que restaram juntados, pois se reportavam à previsão e à permissão contidas na Lei Específica, inclusive com a realização dos procedimentos de que trata o seu art. 26, afastando azo a suspeitas de escusas, que assim não fora, deslocaria o objeto de proteção da lei penal.

Com os documentos compostos aos autos pelas respostas apresentadas, oportunidade ao reexame da quaestio reconhecida em boa hora pelo v. despacho de fls. 857, elementos mais nítidos para a dessubsunção do tipo penal referido vieram fazer coro àqueles adrede reunidos, como a sentença cível de não reconhecimento de ilicitude administrativa, mais precisamente a improcedência da arguida prática de improbidade administrativa, exemplo que promove a conclusão no sentido de que a inexistência do ilícito administrativo desemboca na similitude penal (Stoco, ob. citada), em que pese o princípio da separação das jurisdições civil e penal. Cita-se do autor referido: "Não há possibilidade do ilícito administrativo apenas, pois basta que a dispensa ou inexigência tenha ocorrido fora das hipóteses previstas para que os ilícitos administrativo e penal se caracterizem" (idem-idem).

Em precedente de rara semelhança à hipótese que aqui se debate, a ilustrada Quinta Turma do colendo Superior Tribunal de Justiça, em acórdão do eminente Ministro Gilson Dipp, mutatis mutandis, assim entendeu:

'CRIMINAL. HC. ART. 89 DA LEI N.º 8.666/93. PREFEITO. CONTRATAÇÃO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA PARA DEFESA DO ENTE PÚBLICO EM CAUSAS TRIBUTÁRIAS. SINGULARIDADE DO SERVIÇO E NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO RECONHECIDAS. CONDENAÇÃO CRIMINAL, MANTIDA PELO TRIBUNAL A QUO, BASEADA EM CONDENAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, REFORMADA PELA MESMA CORTE ESTADUAL. AUSÊNCIA DE INTENÇÃO DE FRAUDAR A LEI. INEXISTÊNCIA DE LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS. IRRELEVÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL DETERMINADO. ORDEM CONCEDIDA. ANÁLISE DOS DEMAIS PEDIDOS PREJUDICADA.

(...)

'Na esfera cível, o Tribunal a quo entendeu pela ausência de intenção de fraudar a lei por parte do paciente, bem como pela inexistência de qualquer dano ao erário, notadamente em razão do êxito da atuação do escritório de advocacia em grau recursal, impondo à Fazenda do Estado a obrigação de pagar à municipalidade as diferenças retidas de ICMS. Tais fundamentos, trazidos para a esfera penal, tornam atípica a conduta do paciente, não havendo falar-se na prática do delito previsto no art. 89 da Lei n.º 8.666/93, que para sua configuração exige, além da ocorrência de prejuízo ao erário, a presença de dolo específico na conduta do agente, a qual é penalmente irrelevante se presentes os pressupostos para a contratação direta. Precedentes da Corte Especial do STJ...' (HC 53103/SP, j. 19/09/2006, DJ 16/10/2006, p. 393).

Ainda, da mesma Corte da Justiça, relativamente à contratação de serviços de advocacia por pessoa jurídica de direito público, notadamente Município, o HC 40762/PR, relator para o acórdão o Ministro Nilson Naves, DJ de 16.10.2006, p. 432, Sexta Turma.

De conveniência, em face da clareza e exposição dos fatos, aliados aos elementos documentais de prova previamente existentes, data máxima vênia, embora de incursão inadequada nessa fase antecedente, de juízo de prelibação, esclarecer, com Adel El Tasse (conforme Licitações e Contratos Administrativos – Lei 8.666, 21.06.1993, in Legislação Criminal Especial, RT, 2009, p. 675), 'que o elemento subjetivo é tão-somente o dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar os elementos do tipo, não se punindo a forma culposa'.

3 Conclusão:

Resultando por demais evidentes a ausência da necessária plausibilidade do direito a propiciar venha a ser instaurada a persecutio criminis in judicio, a consequência, nos termos do art. 6º da Lei nº 8.038/90, é a rejeição da denúncia, porquanto, seguindo o escólio de Evandro Lins e Silva (RTJ 43/484, mencionado por Damásio E. de Jesus no seu processo Penal Anotado, 22ª ed., Saraiva, p. 63), 'ao Ministério Público não se dá arbítrio de contrariar a realidade para, por excesso de zelo ou por outro qualquer motivo, oferecer denúncia em total discordância com a realidade'.

Destarte, possibilitando, a tempo e modo (art. 5º da Lei n. 8.038/90), ao órgão da acusação, a revisão e adequação do fenômeno penal, é-lhe facultado, objetivando a realização da Justiça, redirecionar a opinio delicti para entender, como no caso, fenômeno não típico."

Em sede competência penal originária, tendo o Procurador-Geral de Justiça reconhecido a atipicidade dos fatos que consubstanciaram a notitia criminis, o arquivamento do inquérito resulta como providência inarredável. Nesse sentido, mutatis mutandis: Inq. n. 2006.000682-8, de Herval D'Oeste, Rel. Des. Amaral e Silva, j. em 24/1/06.


III    Pelo exposto, determina-se o arquivamento dos autos, na forma do art. 3º, I, da Lei n. 8.038/90.


Fixa-se em 20 (vinte) URH's a verba honorária do defensor nomeado (fl. 794), consoante disposto no título II, item 32, do Anexo da Lei Complementar Estadual n. 155/97.

Intime-se.

Após, dê-se baixa na distribuição.

Florianópolis, 16 de abril de 2010.

Moacyr de Moraes Lima Filho
RELATOR



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