O IBRAMA é uma entidade sem fins lucrativos que precipuamente se dedica ao assessoramento dos entes municipais: (1) na recuperação dos tributos sonegados pelas grandes organizações financeiras que operam em seus territórios através de estabelecimentos clandestinos (sem alvará e sem inscrição na prefeitura), sonegando pantagruélicos valores de ISS, especialmente os incidentes nos negócios de arrendamento mercantil e nas cobranças das contas dos cartões de crédito e de débito; (2) na implantação da nota fiscal eletrônica; (3) na recuperação dos valores superfaturados nas contas de iluminação pública; (4) no incremento da arrecadação do IPTU e ITR; (5) na recuperação dos pagamentos indevidos à União e INSS; e (6) na recuperação dos pagamentos em duplicidade de PIS/COFINS nas contas de energia e telefones.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

PORTO SEGURO/BA CONTRATA O IBRAMA


Publicado pelo Jornal Topa Tudo (Porto Seguro)



16/11/2009 - 16:52:47



Prefeito e secretário falam sobre as dificuldades nas finanças de Porto Seguro

O inchaço encontrado na folha de pagamento, a negociação com o INSS, as quedas das receitas constitucionais, – entre elas o Fundo de Participação do Município, que caiu cerca de R$ 1 milhão/mês - e a diminuição da arrecadação local são alguns dos fatores apontados pelo prefeito Gilberto Abade e pelo secretário de Finanças Marcos Beltrão para o escasso investimento realizado em obras e infra-estrutura durante os 10 meses de 2009.

A folha de pagamento de pessoal, que consome cerca de R$ 6 milhões/mês é o principal obstáculo para que a administração municipal consiga atuar nas áreas prioritárias. A baixa arrecadação dos tributos municipais, somada aos repasses federais, está sendo um entrave para os principais compromissos de campanha do prefeito Abade. De acordo com o secretário Marcos Beltrão, o município arrecada muito aquém da sua necessidade para fazer frente às despesas. Como sobra pouco, por enquanto, investe-se pouco.

Para sair desse dilema, o prefeito está apostando em novas medidas para sanear as finanças municipais. Através de parceria com o Instituto Ibrama, uma organização social civil de interesse público, serão implementadas várias medidas na recuperação de receitas, que o prefeito prefere chamar de produtos, para incrementar o caixa municipal, e que, de acordo com ele, poderá triplicar a receita até 2010.

Medidas


A principal medida e que será implantada o mais breve possível, após o processo licitatório, é a nota fiscal eletrônica. De acordo com o secretário Marcos Beltrão, esse sistema irá permitir que todas as transações financeiras feitas através de cartão de crédito ou de débito gerem ISS para os cofres públicos.

“O município não recebe um real pelas transações realizadas com cartão de credito, porém a cada transação a operadora tem que recolher um percentual de ISS. Como não tínhamos como apurar, esse valor estava sendo descontado no município sede das operadoras. Com a nota fiscal eletrônica esse imposto será debitado para o município. Ela deve estar em operação em 60 dias, já para o verão”, afirma o secretário.

A recuperação financeira dos valores exigidos indevidamente pelo INSS aos agentes políticos, como prefeito, vice-prefeito e vereadores, também está na mira da Secretaria de Finanças. Segundo o secretário Beltrão, a Previdência Social cobrou indevidamente durante o período de fevereiro de 1998 a setembro de 2004, quando foi promulgada uma lei instituindo a cobrança. “A Previdência não tinha competência para cobrar dos agentes públicos e esta é outra frente que vamos procurar para recuperar recursos”.

Operações de arrendamento mercantil “leasing” no território municipal realizadas por estabelecimentos clandestinos, sem alvará e sem inscrição na Fazenda Pública, também serão alvo da Secretaria de Finanças, já que essas operações estão sendo feitas sem o respectivo pagamento do Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza – ISSQN.

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Com as novas medidas, o secretário Marcos Beltrão pretende mudar a dinâmica das finanças do município


A Secretaria de Finanças, via Oscip, vai fazer ainda a apuração e atualização do PIS e Cofins incidentes sobre as faturas de energia elétrica e telefonia e a respectiva recuperação por via de ação ordinária. O secretário argumenta que a intenção é recuperar o que foi cobrado nos últimos cinco anos pelas concessionárias, fornecedoras de energia elétrica e telefonia.

“O município é isento do PIS e Cofins e estas empresas tributaram a prefeitura ilegalmente nos últimos 10 anos. Vamos reaver estes valores. Também vamos realizar a gestão tributária do ISSQN-Eletrônico com o aperfeiçoamento do controle do cumprimento das obrigações tributárias, por parte do contribuinte, disponibilizando informações técnicas tendentes a embasar os atos de fiscalização, além de mecanismos de cobrança administrativa dos débitos de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza”, afirma o secretário de Finanças.

Por último, o secretário fala sobre o treinamento e capacitação dos servidores municipais responsáveis pela instalação, manutenção e atualizações do Sistema Levantamento Web e pelo atendimento ao contribuinte do ISSQN. “Vamos ainda fazer o treinamento dos fiscais de tributos para que haja eficiência maior na cobrança dos impostos e para que a fazenda pública não tenha prejuízo por causa da má formulação do processo fiscal. E ainda um recadastramento imobiliário através de geoprocessamento via satélite, onde serão redimensionadas todas as áreas do município para incrementar, via IPTU, maior receita nas áreas privilegiadas”.

Para o prefeito Abade, o mais importante é que o município não irá entrar com nenhum centavo para a implantação do sistema de cobrança. “A empresa vai conseguir os meios e vai ter um percentual em cima do que conseguirem reaver de receita para os cofres municipais. É fundamental que a população, em especial o empresariado, saiba dessas novas medidas. Pedimos aos empresários que auxiliem na hora da instalação da nota fiscal eletrônica, que não vai incorrer em ônus nenhum para eles e vai ser extremamente benéfico para as finanças do município”, salienta o prefeito, acrescentando que irá proceder a cobrança da dívida ativa do município, que beira a casa dos R$ 111 milhões.

Despesas


Ainda de acordo com o prefeito Abade, os meses de setembro e outubro foram os mais críticos do seu governo, pois o repasse integral do Fundo de Participação dos Municípios – FPM foi seqüestrado “na boca do caixa” por conta da negociação feita para pagamento da dívida com o INSS. O acordo com INSS incluiu débitos de 15 anos atrás, totalizando R$ 100 milhões de débito com previdência.

“Em cada um desses meses foram seqüestrados R$ 1.200.000,00. Tivemos que cortar na própria carne. Rescindimos em 90% os contratos de prestação serviços, como coleta de lixo e serviços de assessoria. Também tivemos que cortar telefones fixos de todas secretarias e os telefones celulares dos secretários e funcionários do 1º escalão. Outra medida foi a redução em 80% das nomeações e contratações e o envio de projeto para Câmara Municipal diminuindo em até 30% os salários dos cargos em comissão”, enfatiza o prefeito Abade.

O gestor informa que a receita corrente líquida, subtraídas as despesas com Fundeb, oscila entre R$ 8 a R$ 10 milhões/mês. A folha de pagamento consome cerca de R$ 6 milhões. Limpeza pública, locação de veículos, manutenção de estradas vicinais, merenda escolar e outras despesas para funcionamento da máquina administrativa chegam a quase R$ 3 milhões. “Sobra muito pouco para investir. Por isso vamos tomar estas novas medidas para termos recursos disponíveis para alavancar nossa administração e tornar Porto Seguro num lugar bom para se visitar e melhor ainda para se viver”, argumenta Abade.

Mas ele manda um recado para os fornecedores afirmando que está arrumando a casa, fazendo um planejamento para regularização do que está pendente e que no máximo até março irá equacionar todos os débitos existentes e que a partir daí todas as despesas contraídas pelo município sejam pagas dentro do mês.

“Com reduções e agora com novo pensamento de planejamento, após 10 meses de conturbação, crise e insatisfação, é o momento de uma nova gestão. Por isso a população precisa saber que todas medidas estão sendo tomadas para equilibrar as finanças e o governo ter maior tranqüilidade de devolver à população todo o dinheiro arrecadado em forma de serviços. Para isso vamos preparar a cidade para o verão, para receber mais turistas do que os outros anos, promovendo grandes eventos como Reveillon, Carnaval e o evento dos 510 Anos. Lembrando sempre o meu mote de campanha, que a cidade só será boa para o turista se, primeiramente, for boa para o morador”, conclui.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

ROL DOS PRINCIPAIS SERVIÇOS DISPONIBILIZADOS PELO IBRAMA











REVISÃO JUDICIAL PARA REDUÇÃO/ELIMINAÇÃO DE DÍVIDAS

       
   DÉBITO COM BANCOS – revisional da dívida onerosa
   DÉBITO COM INSS - revisional da dívida onerosa
   DÉBITO COM RECEITA FEDERAL - revisional da dívida onerosa                          
   FPM – revisional para aumentar os valores mensais dos repasses
   ILUMINAÇÃO PÚBLICA – revisional para redução das faturas mensais
   
                  





          




MODERNIZAÇÃO LEGISLATIVA PARA AUMENTO DA ARRECADAÇÃO

                   

   






   CÓDIGO TRIBUTÁRIO MUNICIPAL – modernização da legislação
   PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO ADMINISTRATIVO – modernização da legislação
   PRODUTIVIDADE DOS FISCAIS – criação de lei
   REFIS MUNICIPAL – criação de lei
   USO DO SOLO – implantação da cobrança da retribuição
   ISS DOS BANCOS - criação de obrigação acessória
   ISS DOS CARTÓRIOS - criação de obrigação acessória
   ISS SOBRE LEASING - exigência do pagamento na fonte




                                                                                                                                                                                                                       



RECUPERAÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE


FGTS – recuperação dos depósitos dos não-optantes
INSS dos AGENTES POLÍTICOS – recuperação dos valores recolhidos indevidamente
INSS – PREVIDÊNCIA – compensação das contribuições de aposentados
PASEP – recuperação do excesso de gastos com saúde











PASEP – recuperação dos pagamentos indevidos
PIS/COFINS NAS CONTAS DE ENERGIA – recuperação dos últimos 60 meses
PIS/COFINS NAS CONTAS DE TELEFONES - recuperação dos últimos 60 meses

                                                                                     



RECUPERAÇÃO DA SONEGAÇÃO – ÚLTIMOS 5 EXERCÍCIOS

                                                                                       
                                              ISS sobre CARTÕES (devidos pelas administradoras de cartões)
                                              ISS sobre LEASING  (devidos pelas arrendadoras mercantis)
                                              ISS sobre ROYALTIES DA MONSANTO  (devidos pelas cooperativas)




OUTROS SERVIÇOS INTERESSANTES

                                                      
     IMPLANTAÇÃO DA NOTA FISCAL
     ELETRÔNICA


      
                     IMPLANTAÇÃO DO SERVIÇO DE 
                     LICENCIAMENTO AMBIENTAL


INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO



Michelle Nunes Golgo,
advogada


Esta rápida pesquisa mostra que os serviços jurídicos não podem ser contratados por certame licitatório e que não comete crime quem contrata advogado por INEXIGIBILIDADE nem viola a lei o profissional do direito eventualmente contratado por essa modalidade.


A PALAVRA DA DOUTRINA ESPECIALIZADA

O conhecido jurista catarinense JOEL DE MENEZES NIEBUHR (Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP, Mestre em Direito pela UFSC, Professor Convidado de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina) escreveu este texto sobre o assunto no seu livro Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública (Ed. Dialética, SP, 2003, fls. 190 e ss.):

“2.2 – Pressupostos

Da leitura do inciso II do artigo 25, combinado com o § 1°, do caput do mesmo artigo, ambos da Lei n° 8.666/93, depreende-se a existência de dois pressupostos para a inexigibilidade de licitação relativa aos serviços técnicos profissionais especializados, cuja ocorrência revela a singularidade, que inviabiliza a competição.

O primeiro pressuposto pode ser denominado de OBJETIVO, residente na NATUREZA SINGULAR do serviço a ser contratado. Não é qualquer tipo de serviço que enseja a inexigibilidade, uma vez que aqueles rotineiros, prestados com o mesmo padrão por número razoável de pessoas, não requerem a contratação de especialista.  A título ilustrativo, serviços como pintura de parede, manutenção de equipamento, cobrança de dívida ativa, a priori, não precisam ser feitos por profissionais detentores de notória especialização, cujo lavor é traçado por características subjetivas que afastam a possibilidade de julgamento objetivo e, por corolário, a obrigatoriedade de licitação. Em sentido diametralmente oposto, tais serviços podem ser prestados por quaisquer profissionais, desde que capacitados, sendo perfeitamente possível compará-los de modo objetivo, pelo que não se vislumbram justificativas bastantes para excepcionar a obrigatoriedade de licitação pública, tal qual disposta na parte inicial do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal.

O pressuposto OBJETIVO demanda que o serviço a ser contratado por meio da inexigibilidade requeira os préstimos de especialista, a ponto de recusar critérios de julgamento. A existência de critérios objetivos para comparar os especialistas requisitados impõe a obrigatoriedade de licitação pública. O ponto nodal encontra-se na objetividade ou subjetividade dos critérios de julgamento. A inexigibilidade ocorre somente nas hipóteses em que o serviço pretendido pela Administração Pública é apreciado por critério SUBJETIVO, isto é, sem que a comparação entre os profissionais habilitados a prestá-la é condicionada à apreciação subjetiva.

Nessa  perspectiva, não basta que o profissional seja reputado notório especialista, porque, antes de levá-lo em consideração, é essencial que o serviço visado requeira os préstimos de alguém assim qualificado. Essa é a orientação da doutrina. Confira-se:

E esse outro dado conceitual importante é o de que a notória especialização, que serviu para que determinado contratante fosse selecionado com escudo e o manto da inexigibilidade da licitação, SEJA EM SI UM DADO ESSENCIAL PARA A SATISFAÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO A SER ATENDIDO. Se o serviço é daqueles em que a notória especialização é absolutamente acidental, apenas uma moldura que enfeita o prestador de serviços, mas não integra a essência da realização, tal como desejada, do objeto contratual, nesse caso sua invocação será viciosa e viciada e, portanto, atacável através de todas as figuras do vício do ato administrativo, com a conseqüente apenação do administrador” (FIGUEIREDO, Lúcia Valle e FERRAZ, Sérgio. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação).

“Quanto à menção, no dispositivo, à NATUREZA SINGULAR DO SERVIÇO, é evidente que a lei quis acrescentar um requisito, para deixar claro que não basta tratar-se de um dos serviços previstos no artigo 13; é necessário que a complexidade, a relevância, os interesses públicos em jogo, tornem o serviço singular, de modo a exigir a contratação de profissional notoriamente especializado; não é qualquer projeto, qualquer perícia, qualquer parecer que torna inexigível a licitação” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 12ª ed., São Paulo, Atlas, 2000, p. 312).

O segundo pressuposto é de ordem SUBJETIVA, pertinente às qualidades do profissional a ser contratado, que deve demonstrar experiência, estudos aprofundados, trabalhos científicos, publicações, cursos de pós-graduação, etc. É que os critérios objetivos somente falecem diante de profissionais cuja experiência os singulariza, uma vez que não é possível cotejá-los com a eqüidade que se requer em licitação pública. Portanto, o pressuposto subjetivo exige que o profissional a ser contatado apresente realmente experiência bastante para singularizá-lo.

A propósito do pressuposto SUBJETIVO, o inciso II do artigo 25 da Lei n° 8.666/93 prescreve a inexigibilidade para a contratação de serviços técnicos, de natureza singular, COM PROFISSIONAIS OU EMPRESAS DE NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. O texto é claro ao exigir que o contratado seja reputado NOTÓRIO ESPECIALISTA.

A expressão NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO costuma ser interpretada de molde a exigir alguém bastante conhecido em seu meio, afamado, que goze, como o nome indica de notoriedade. Ressalte-se, já, de pronto, que é equivocado apurar a notória especialização pela notoriedade da pessoa. O sujeito pode ser em tudo conhecido, mas não necessariamente por seus méritos profissionais. A notoriedade é da ESPECIALIZAÇÃO DO PROFISSIONAL e não do profissional em si.

Outrossim, a notória especialização deve ser apreciada no meio em que atua o profissional, sem que haja razão em pretender que os contratados tenham que ostentar popularidade. Se do profissional fosse exigida popularidade, não haveria ninguém a ser contratado, salvo um ou outro cujo nome tenha sido excepcionalmente difundido, haja vista que, ao menos no Brasil, as pessoas dedicadas aos estudos técnicos e à atividade científica são absolutamente desconhecidas do grande público.

De um jeito ou de outro, a notoriedade induz conceito indeterminado, isto é, variável em grau maior ou menor em decorrência do que se afere discricionariedade em sua apreciação. A determinação do grau mínimo de notoriedade necessária para dar suporte à inexigibilidade não é precisa. Acontece que haverá profissionais cuja especialidade é de certa forma reconhecida, mas não tanto a ponto de se poder afirmar tratar-se de alguém com notoriedade.

Soma-se a isso a questão de se precisar qual o âmbito territorial a ser apurado para reputar profissional como portador de notória especialização. Ora, há profissionais cujos trabalhos são reconhecidos em todo o País, outros no Estado a que pertencem, e outros apenas no Município. A abrangência territorial da contratação deve ser vista com certa parcimônia, adaptável ao objeto e ao lugar da contratação: por vezes, torna-se conveniente a seleção de um profissional de trato próximo, mais acessível. Isso deve ser fitado com parcimônia, porque o que realmente importa são os estudos feitos pelo profissional, a experiência anterior dele, os resultados obtidos. O lugar onde o profissional é conhecido deve ser posto em segundo plano, sem que este prevaleça sobre as efetivas realizações dele. Entretanto, não se quer desprezar os profissionais cujos trabalhos sejam conhecidos em todo o País, haja vista que — é de presumir — se eles o são, é porque possuem méritos.”


Na mesma obra (fls. 197 e SS.), JOEL DE MENEZES NIEBUHR assim trata da possibilidade da contratação de serviços jurídicos por inexigibilidade:

“2.3 – Inexigibilidade para a contratação de serviços jurídicos

Os serviços de natureza jurídica são prestados por profissionais técnicos especializados, já que requerem o bacharelado em Direito e a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. Portanto, não são serviços prestados por qualquer profissional, mas só por aqueles especialmente qualificados. em vista do que a contratação deles pode fundar-se no inciso II do artigo 25 da Lei n° 8.666/93, desde que respeitados os pressupostos analisados no tópico precedente.

A priori, a contratação por inexigibilidade dos serviços jurídicos sujeita-se às mesmas regras dispostas para os casos de serviços técnicos de natureza singular, isto é, requerem a concorrência dos pressupostos objetivo e subjetivo, bem como a existência de nexo entre eles. Quer-se dizer que o serviço há de ser singular, sem que se admita a inexigibilidade para a contratação de prestações rotineiras ou comuns. O serviço, por ser singular, demanda a intervenção dum especialista  cuja experiência o singulariza. Ademais, o perfil do especialista deve ser apropriado à consecução das utilidades pretendidas pela Administração Pública através do serviço, revelando a necessidade de nexo entre o objeto do contrato e o objeto contratado.

Nada obstante o enquadramento dos serviços jurídicos entre os referidos no inciso II do artigo 25 da Lei n° 8.666/93, percebe-se neles uma plêiade de situações peculiares e, deveras, complexas, que redundam em conseqüências e pressupostos distintos, cujos efeitos os fazem merecer considerações em separado.

Inicialmente, antes de se tratar da inexigibilidade, cumpre tecer considerações a respeito da licitude ou ilicitude dos contratos que terceirizam os serviços jurídicos ou parte dos serviços jurídicos de determinada entidade administrativa. Isso porque os debates já se acirram em torno da própria possibilidade de contratação de serviços desse naipe, e, além disso, se ela é possível, para quais e em quais situações.

Ainda, antes de outros comentários, é de bom alvitre ressaltar que advocacia pública é atividade administrativa a ser prestada por servidores públicos, preferencialmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos (inciso II do artigo 37 da Constituição Federal), ou por advogados que exerçam função de confiança (inciso V do artigo 37 da Constituição Federal), ou, até mesmo, para atendimento de excepcional interesse público, por advogados contratados por tempo determinado (inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal). Na mesma linha, de acordo com a Seção II do Capítulo IV do Título IV da Constituição Federal, a advocacia pública foi qualificada entre as funções essenciais à justiça.

Como as entidades administrativas se revestem das mais variadas colorações, quer no âmbito da administração direta, quer no da administração indireta, algumas possuem corpo jurídico próprio, outras não. Convém ponderar que essa é questão a ser definida em lei, que deve criar o órgão de procurador, advogado, consultor jurídico, etc. Sem a lei, não há o cargo e, por conseqüência, não há corpo jurídico próprio.

Então, para o deslinde da problemática relativa à contratação de serviços jurídicos, deve-se, inicialmente, apartar as entidades que possuem corpo jurídico próprio das que não o possuem. Por ordem:

Se há corpo jurídico próprio, somente é lícito contratar serviços jurídicos de terceiros em casos excepcionais, verdadeiramente singulares, que fogem do padrão normal das causas e assuntos tratados ordinariamente por seus procuradores. A contratação de novos advogados estranhos ao corpo jurídico da entidade pressupõe o reconhecimento da incapacidade ou inadequação dos presentes para aportar aos fins visados pela Administração Pública. Se os mesmos fossem capazes ou adequados para prestarem o serviço, seria um disparate fazer com que a Administração Pública arcasse com os custos de novos profissionais.

Advirta-se, por oportuno, que a referida incapacidade ou inadequação não implica menoscabo aos advogados da entidade, porque não há advogados que entendam com profundidade de todos os assuntos jurídicos, bem como de questões complexas ou de alto envolvimento econômico, cujo alcance seja singularmente relevante para a Administração Pública, merecendo atenção redobrada, que, freqüentemente, não pode ser dispensada pelos profissionais da Casa, haja vista o volume de trabalho ordinário. Muitas vezes, exigir a atenção adequada do corpo jurídico a questões complexas, que requerem estudos mais profundos, provoca o desatendimento de questões ordinárias, cujo volume usualmente já demanda dedicação integral.

Essas hipóteses, de casos excepcionais, denotam a singularidade do objeto do contrato e, por isso, autorizam a contratação de profissional detentor de notória especialização, o que, por sua vez, como delineado no tópico precedente, é realizado através da inexigibilidade de licitação pública. Aliás, esse tipo de contratação é o que deve suceder como regra, porque as entidades administrativas devem possuir corpo jurídico próprio para tratar de suas questões ordinárias, como, por exemplo, cobrança de dívida ativa, defesa trabalhista, proposição de demanda tributária, etc. Para outras questões e casos singulares, situadas fora do trato diário de seu corpo jurídico, podem contratar outros profissionais, quer para elaborar parecer que oriente as atividades dos advogados da própria entidade, quer para defender os interesses da entidade em certos litígios.

Os profissionais a serem contratados também devem ser singulares, detentores de notória especialização, tanto que só os assim qualificados reúnem os atributos para cuidarem devidamente de casos complexos, o que leva à subjetividade dos critérios de comparação entre eles, enfim, redundando em inexigibilidade de licitação pública (Eis as recomendações de Adilson Abreu Dallari: “Cabe repetir, todavia, que serviço técnico profissional especializado de advocacia suficiente para dispensar qualquer tipo de licitação é somente aquele de caráter singular, que exija de seu executante conhecimentos extraordinários, acima e além dos exigidos para o regular e normal exercício da profissão”. Demais disso, o mesmo autor adverte: “O exame da documentação apresentada pelo advogado contratado, especialmente seu  curriculum vitae, deve servir para confirmar não só que ele é dotado de notória especialização, mas sim, também, que ele é jurista cuja experiência profissional está perfeitamente adequada aos objetivos almejados pela Administração Pública com a sua contratação. Ou seja, ele é especializado exatamente naquilo para o que pó contratante necessita de assessoramento jurídico, ou atuação jurídica de especial qualificação.” – DALLARI, Adilson Abreu. “Contratação de Serviços de Advogado pela Administração Pública”. Revista Trimestral de Direito Público, vol. 22, p. 38).

Cumpre observar, ainda, a possibilidade de contratar advogados estranhos ao quadro da entidade, mesmo para situações ordinárias, desde que se configure a insuficiência para atender a demanda existente. Ou seja, nas hipóteses de sobrecarga, que compromete a qualidade do serviço prestado, é forçoso reconhecer justificativa para a contratação de novos advogados. Melhor seria que se criassem novas vagas e se procedesse a concurso público. Entretanto, isso depende de lei, e o fato é que os reclames públicos não se dispõem a esperá-la. Nestas hipóteses, não tem qualquer cabimento sequer cogitar de inexigibilidade de licitação pública, porquanto o objeto do serviço não é singular. Tais contratos devem ser precedidos de licitação pública ou realizados por tempo determinado, para atender situações de excepcional interesse público, com fulcro no inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal e legislação ordinária que toca à espécie. Ademais, também há a possibilidade de que os advogados da Administração sejam interessados e, pois, envolvidos em demanda judicial contra ela, como, por exemplo, ocorre em disputas trabalhistas. Nestes casos, a contratação de terceiros é perfeitamente lícita, devendo em tudo ser regida pela Lei n° 8.666/93 e, em regra, precedida de licitação pública.

Noutro delta, no tocante às entidades administrativas que não dispõem de corpo jurídico próprio, dado que os respectivos cargos não foram criados por lei, não se deve objetar a contratação de terceiros para a prestação de serviços jurídicos. Como não há quem represente os interesses dessas entidades, é imperativo que elas contratem terceiros, estranhos aos seus quadros, sob pena de prejuízos ao interesse público.

A contratação de serviços jurídicos por essas entidades deve, em regra, ser precedida de licitação pública, uma vez que tudo que for ordinário, de trato diário, pode ser prestado por quaisquer profissionais, desde que habilitados. Assim sendo, todos os profissionais interessados devem ser tratados com igualdade, pelo que se impõe a obrigatoriedade de licitação pública.

A tais entidades é lícito contratar serviços jurídicos mediante inexigibilidade de licitação pública desta vez com arrimo no inciso II do artigo 25 da Lei n° 8.666/93, apenas para prestações excepcionais, que requererem conhecimento acima da média e, destarte, que reclamarem a intervenção de profissional portador de notória especialização.

Dentro de tudo quanto se disse, um dos equívocos mais freqüentes cometidos pela Administração Pública concerne à contratação através de inexigibilidade de licitação pública de profissionais realmente detentores de notória especialização para serviços que não ostentem natureza singular, porém ordinária, que podem ser prestados por qualquer advogado habilitado e que, por conseqüência, não demandam a intervenção dum notório especialista.

Defende-se, aqui, tal posicionamento, muito embora o Supremo Tribunal Federal tenha sufragado entendimento de que a contratação de advogados, de modo geral, se sujeita à inexigibilidade.

Confira-se a ementa:

PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL: TRANCAMENTO. ADVOGADO: CONTRATAÇÃO. DISPENSA DE LICITAÇÃO.

I – Contratação de advogado para defesa de interesses do Estado nos Tribunais Superiores: dispensa de licitação, tendo em vista a natureza do trabalho a ser prestado. Inocorrência, no caso, de dolo ou apropriação indébita do patrimônio público.

II – Concessão de habeas corpus de ofício para o fim de ser trancada a ação penal. (STF, 2ª Turma. RHC n° 72.830, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 30/10/95, DJ de 16/02/96, p. 2.999).


No corpo do acórdão, o Min. Carlos Velloso consignou o seguinte:

“Acrescente-se que a contratação de advogado dispensa licitação, dado que a matéria exige, inclusive, especialização, certo que se trata de trabalho intelectual, impossível de ser aferido em termos de preço mais baixo. Nesta linha, o trabalho de um médico operador. Este absurdo somente seria admissível numa sociedade que não sabe conceituar valores. O mesmo pode ser dito em relação ao advogado, que tem por missão defender interesses do Estado, que tem por missão a defesa pública.”


IVAN BARBOSA RIGOLIN e MARCO TÚLIO BOTTINO, expuseram no livro “Manual Prático das Licitações” (Saraiva, 4ª ed., 2002, pp. 253 e ss.) sua posição acerca da possibilidade de contratação de serviços especializados sem licitação (os grifos constam do original):

2.1 Serviços técnicos profissionais especializados
Essa é, como se afirmou, a mais sofisticada categoria de serviços profissionais que a Administração poderá obter por contrato; estando bem caracterizada como especializada, de natureza singular, não será licitável (inexigível a licitação por força do art. 25 da Lei 8.666).


Inclui-se este tópico num semelhante manual sobre licitações apenas e exclusivamente para indicar que os serviços técnicos profissionais especializados nunca se podem licitar, estão por inteiro excluídos de licitabilidade, sendo proibida a licitação quando a hipótese se configurar. Por que será proibida ?


Proíbe-se por lhe faltar sentido, quer material, quer jurídico, quer ético ou moral, quer lógico  —  ou todos a um só tempo  —  naquela espécie de serviço. Trata-se de serviços que não podem ser postos em competição, pela natureza singular, muito especializada, que possuem. São trabalhos que jamais dois prestadores entregarão iguais, nem mesmo parecidos, e às vezes apontando direções simplesmente opostas — porém corretas e satisfatórias !


Um só exemplo cala fundo. Imagine-se se a cidade de São Paulo, ou do Rio de Janeiro, ao comemorar seu quarto centenário de fundação, pretender editar um livro sobre sua história, a ser escrito por historiador de qualidade e de prestígio no meio literário. Como conceber licitar esta obra literária?  Será um serviço, sem dúvida (nem obra em sentido material, nem fornecimento de material); mas, insistindo em licitá-lo, se por absurda hipótese fosse publicado o edital, referente a licitação de serviço do tipo de menor preço (sendo, p.ex., tomada de preços a modalidade), um só resultado seria de esperar: o pior literato venceria; os melhores jamais ingressariam no certame, à sua notícia só se concebendo que reagissem com sonora gargalhada, E, se não revogasse a licitação, precisaria contentar-se por certo a Administração com o pior negócio, a proposta mais desvantajosa, a mais infame história de suas glórias passadas, que pretendia exaltar e perpetuar. E o mesmo se daria se ousasse licitar a produção de uma tela a óleo, comemorativa daquela efeméride, pelo menor preço, pois obteria por seguro o mais medíocre.


Tanta falta de nexo quanto licitar o livro histórico ou a tela terá a idéia de licitar-se a defesa de um prefeito ameaçado de cassação pela Câmara, ou processado por ato ou negócio lesivo ao erário, numa ação popular ou criminal. É simplesmente risível a idéia de um edital que para esse caso procurasse o advogado de menor preço, ou aquele que, dentre os que comprovassem “técnica mínima suficiente”, pedisse os menores honorários, No primeiro caso acabaria o zeloso alcaide possivelmente trancafiado a sete ferros numa masmorra de segurança máxima, e no segundo numa de segurança média, sabendo-se inexistente a pena capital no direito brasileiro ...


Percebe-se que aí existe em verdade um impedimento natural de cunho ético, moral, para a hipótese de licitação. É antiético, inteiramente imoral, profundamente indigno e irrazoável pretender que, no exemplo, os melhores escritores, pintores ou advogados se disponham a concorrer, ou, pior ainda, na inaceitável hipótese de concorrerem, precisem baixar o conhecido nível de qualidade do seu trabalho para tentar vencer os demais profissionais na disputa, em cujo meio com certeza figurarão aqueles inqualificavelmente ruins,a preço equivalente. (...)


A impossibilidade de se licitarem serviços técnicos profissionais especializados é também, já é possível perceber, de natureza lógica, vez que não se licitam coisas desiguais, no dizer preciso de Celso Antônio Bandeira de Mello (apud Lucia Valle Figueiredo, Direitos dos Licitantes, 2ª ed. SP, Revista dos Tribunais, 1981, p. 14), vale dizer: não se comparam coisas desiguais, que nem se imagina poderão vir a ser, para se escolher uma, em geral a de menor preço (porque é quase sempre o menor preço que se visa obter, por um produto bom). (...)


A idéia de inviabilidade de licitação,  tenha ela a natureza que tiver (material, lógica, jurídica, ética ou moral), é o fundamento da inexigibilidade de licitação para serviços técnicos profissionais especializados, quando, diz a lei, de natureza singular (o que é uma redundância), e, quando contratados com profissionais ou empresas de notória especialização.


A Lei 8.666, art. 25, § 1°, define com felicidade este conceito, e desfaz aquela apressada conclusão de que notoriedade “ou se tem ou não se tem”, quando quer significar um amplo e vulgarizado conhecimento público do trabalho e da reputação profissional ou da empresa, ditos, então, notoriamente especializados. Faz ver a lei que pode existir grande e absoluta notoriedade (como a dos grandes artistas, ou dos grandes autores que todo o país conhece) e notoriedades de menor âmbito ou proporção, sem comprometimento nem do conceito nem da justa razão daquela notoriedade. Quando reza a lei que considera de notória especialização aquele “cujo conceito, no campo de sua especialidade, permita inferir que o seu trabalho é o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato” evidencia que, sempre que a Administração precise de um desses trabalhos, para poder contratá-lo diretamente com um autor deve consultar o meio profissional desse autor, e não jornais de circulação nacional, noticiário de televisão, revistas informativas sobre generalidades ou almanaques editados por drogarias. Não será por figurar em tais publicações leigas e comuns que a notoriedade profissional do autor existirá ou não; ela existirá se aquele autor houver, por exemplo, publicado estudos, obras, ou cursado especializações e pós-graduações, ou adquirido experiência invulgar em sua especialidade; ou tiver aparelhamento material e equipe de trabalho reconhecidamente qualificada; ou houver prestado trabalhos semelhantes e com grande resultado; ou tiver sido premiado em concursos ou por trabalhos na matéria, ou ainda por mais fatores suscetíveis de comprovar a adequação absoluta do autor ao objeto necessitado pela entidade. Comprovada a qualificação, nenhum propósito terá a idéia de licitar-se o serviço singular, especializado.


A Administração nesse caso, evidentemente, não sujeitará a contratação ao trabalho da Comissão Julgadora de Licitações; a CJL permanecerá geralmente afastada desse processo, vez que não haverá licitação.

HÉLIO DO VALLE PEREIRA, juiz catarinense, no seu livro Manual da Fazenda Pública em Juízo, Editora Renovar, RJ/SP, 2003, nas fls. 87 e ss., no item “8.3 – Contratação de Advogados”, assim se manifesta a respeito da contratação de pessoal terceirizado, para auxiliar municípios na área jurídica:

“De se indagar se, malgrado a existência de quadro próprio de procuradores, pode a pessoa jurídica de direito público outorgar mandato a advogado, contratando-o para o patrocínio de específicas causas ou mesmo para, em termos mais gerais, representá-la processualmente.

Em relação à União, esta possibilidade fica vedada como regra quase absoluta. De fato, não se imagina viável que, sendo o órgão chefiado por pessoa de notório saber jurídico (art. 131 da CF), possa ser necessária a convocação de outrem para o desempenho de específica missão processual. Talvez para atuação em particular atividade de consultoria seja isto factível, como, por exemplo, na hipótese de confecção de parecer por parte de notável jurista em hipótese de singular complexidade e relevância. De igual modo, no caso de representação processual ou consultoria ligada a evento internacional, quiçá seja assim possível, tal qual patrocínio de processo em distinto país ou havendo necessidade de conhecimento de sistema jurídico alienígena.

O mesmo raciocínio vale quanto aos Estados-membros e Distrito Federal, devendo supor-se que a estrutura existente seja suficiente para atender às suas necessidades. Valem, no entanto, com maior extensão, as exceções também conjeturáveis para o plano federal.

No âmbito municipal, a propósito, é comum o debate sobre o procedimento a ser seguido para a contratação de serviços advocatícios. Isto tanto é factível para casos de menor envergadura (quando não exista a previsão, no organograma administrativo, de tais postos, ou estejam eles vagos) como para situações de maior relevância jurídica e econômica, havendo necessidade de superação da circunstancial carência de pessoal pelo concurso de particulares.

Não é ilícito, por natureza, esse procedimento, desde que justificável no caso concreto (falta de corpo próprio de defensores, eventual complexidade de determinada causa, contingencial volume de processos). A jurisprudência não admoesta com necessária invalidade a contratação. Em princípio, até será inexigível a licitação, diante do caráter singular desse serviço técnico (art. 25, inc. II, da Lei 8.666/93), cf. TJSP, Lex-JTJ 184/144, rel. Des. Oliveira Santos; 218/9, relª. Desª. Tereza Ramos Marques.

Em casos de necessidade de manutenção de vínculo de trabalho, com a atuação em geral na atividade advocatícia, pode inclusive ocorrer convocação por tempo determinado, nos termos do art. 37, inc. IX, da CF. De se ressalvar, no entanto, a ilicitude de contratação imotivada, à revelia de situação peculiar, e contando o órgão público com quadros próprios e habilitados de representação. Cuidando-se de serviços que não atraiam particular especialização (e.g., contratação de advogados para acompanhamento de execuções fiscais municipais), é reclamável prévio procedimento licitatório.”


A professora da Universidade de São Paulo (USP) MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, uma das mais respeitadas doutrinadoras de Direito Administrativo, elaborou este conhecido parecer sobre Terceirização e Inexigibilidade de Licitação de Serviços Jurídicos e desta maneira se pronunciou no seu conceituado livro Parcerias na Administração Pública, (Editora Atlas, SP, 1999, p. 293):

“É evidente que, dispondo o Município de corpo de Procuradores com competência específica para a cobrança da dívida ativa, a contratação de terceiros tem que ser devidamente justificada e analisada em cada caso. Os serviços rotineiros, como a cobrança da dívida ativa, não podem ser objeto de contrato de locação de serviços, já que correspondem a função permanente do Município, que dispõe de um quadro também permanente de advogados para desempenhá-la.

Excepcionalmente, a Administração Pública pode defrontar-se com ação de especial complexidade, envolvendo tese jurídica inovadora, ou de considerável relevância para os cofres públicos; nesses casos, em se tratando de serviço de natureza singular, pode preferir contratar advogado de sua confiança e notoriamente especializado, valendo-se da inexigibilidade de licitação, com base no artigo 25, II, da Lei n° 8.666.”



A POSIÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DE SÃO PAULO

Este julgamento feito pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo emblematizou a questão atinente à contratação de advogados terceirizados pelos entes municipais (fonte: www.tce.sp.gov.br/rtcm98.shtm):

CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS, OBJETIVANDO A PROPOSITURA DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL, CUMULADA COM COBRANÇA, REFERENTE A TRANSPORTE DE ALUNOS DA ZONA RURAL.

A contratação foi embasada no inc. II do art. 25 c/c inciso V do art. 13, ambos da LF nº 8666/93.

O contrato foi considerado regular em face do disposto no Código de Ética e Disciplina da OAB.


"É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: (....) para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação"
– art. 25, inc. II, da LF. nº 8666/93.

"A celebração de convênios para prestação de serviços jurídicos com redução dos valores estabelecidos na Tabela de Honorários implica captação de clientes ou causa, salvo se as condições peculiares da necessidade e dos carentes puderem ser demonstradas com a devida antecedência ao respectivo Tribunal de Ética e Disciplina, que deve analisar a sua oportunidade" – art. 39 do Código de Ética e Disciplina da OAB.



"O advogado deve evitar o aviltamento de valores dos serviços profissionais, não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado pela Tabela de Honorários, salvo motivo plenamente justificável" – art. 41 do Código de Ética e Disciplina da OAB. TC – 2180/99 – Cons. Rel. Renato Martins Costa – Sessão da 2ª Câmara de 17/10/00 – DOE de 25/10/00, págs. 12/14. A E. Câmara, pelas razões expostas nas respectivas notas taquigráficas, juntadas aos autos, decidiu julgar regulares a inexigibilidade de licitação e o contrato nº 017-B/97.

Pela importância do seu conteúdo, vale transcrever, na íntegra, a declaração de voto do conselheiro ANTONIO ROQUE CITADINI, exarado na oportunidade (com destaques que não constam do original):


 Senhores Conselheiros:


Pedi vista dos autos para melhor me posicionar sobre a matéria, porque tenho notado que a contratação de advogado vem ganhando novos enfoques jurídicos, até então pouco abordados.


Presidindo a Sessão Ordinária do Tribunal Pleno, de 8/4/98, tive oportunidade de ouvir atentamente o excelente voto do ilustre Conselheiro Renato Martins Costa, proferido nos autos do TC-22033/026/93 sobre a matéria "contratação de advogado".


O voto de Sua Excelência praticamente esgotou o assunto, sob o ponto de vista da Doutrina e da Jurisprudência, restando pouco a acrescer.


Naquele voto, particularmente, me chamou a atenção um dos pontos mencionados, hoje bem utilizado na defesa de advogados, cujas contratações foram questionadas, quer na instância administrativa, quer na judiciária, qual seja, as vedações contidas no ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, LEI FEDERAL Nº 8906/94, E O CÓDIGO DE ÉTICA DOS ADVOGADOS, tema enfrentado com muita propriedade pela Professora Alice Maria Gonzalez Borges, em artigo publicado na Revista de Direito Administrativo (1).


Interessei-me pela matéria e busquei trazer neste voto alguma contribuição para melhor elucidar o assunto, partindo do artigo mencionado. Na realidade, não se trata de vedação, mas de "evidente antagonismo entre a Lei nº 8.666/93 e o Estatuto da OAB e do seu Código de Ética", como muito bem colocado pela eminente Professora, podendo-se concluir que seria inviável a realização de certame licitatório para a contratação de prestação de serviços profissionais advocatícios, que são de natureza personalíssima e peculiar, pois "o exercício ético da advocacia não se compadece com a competição entre seus profissionais, nos moldes das normas de licitação, cuja própria essência reside justamente na competição".


Eis aí o primeiro dos antagonismos: enquanto a Lei de Licitações exige a competição, os artigos 28 e 29 do Código de Ética recomendam, no oferecimento dos serviços do advogado, moderação, discrição e sobriedade. Constitui infração disciplinar, segundo o artigo 34, inciso IV, do Estatuto da OAB, o ato de o advogado angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros. Já o artigo 5º do Código de Ética diz ser incompatível com o exercício da advocacia qualquer procedimento de mercantilização.


Tais vedações implicam diretamente nos requisitos de habilitação técnica estatuídos no artigo 30, inciso II e § 3º do mesmo artigo da Lei nº 8.666/93.


Enquanto o artigo 30, inciso II, da Lei nº 8.666/93 estabelece como um dos requisitos de habilitação técnica a indicação das instalações materiais das empresas licitantes, o artigo 31, § 1º, do Código de Ética veda, nos anúncios do advogado, menções do tamanho, qualidade e estrutura da sede profissional, por instituírem captação de clientela.


Outro requisito para a habilitação técnica, insculpido no artigo 30, § 3º, da mesma Lei, trata da comprovação, por meio de atestados idôneos de órgãos públicos e privados, do desempenho anterior do licitante em atividade semelhante àquela objetivada na licitação, o que se choca com a vedação contida nos artigos 29, § 4º e 33, IV, do Código de Ética, de divulgação de listagem de clientes e patrocínio de demandas anteriores, também considerados como captação de clientela.


De difícil resposta seria, também, a conciliação de licitação do tipo menor preço ou de técnica e preço (artigo 46, § 1º e 2º da Lei nº 8.666/93), com as proibições do Estatuto da OAB e do Código de Ética (artigos 39 e 41) que vedam a captação de clientela, os procedimentos de mercantilização e o aviltamento dos honorários advocatícios, posto que haveria, no caso de tais licitações, advogados concorrendo com outros advogados, restando, também, inviável a competição entre escritórios de advocacia, pelos mesmos motivos.


Os preços, questão delicada em qualquer contratação, no caso de advogados, que se mostra relevante pelas peculiaridades a ela inerentes. Seria suficiente o preço estabelecido na Tabela de Honorários Advocatícios como orçamento estimativo? Se assim for, como competir? Venceria a licitação quem apresentasse os preços constantes da Tabela? Poderia algum advogado oferecer preço menor do que os estipulados na Tabela sem ferir o Código de Ética? Como aplicar o artigo 48, II, da Lei nº 8.666/93, no caso da desclassificação de todas as propostas, sem que o convite para baixar o preço das propostas não configure aviltamento dos valores dos honorários, prática vedada pelo artigo 41 do Código de Ética?


O Estatuto da Advocacia e o Código de Ética e Disciplina não criam diferenças entre advogados empregados ou empregadores, com maior ou menor experiência profissional, que legitime oferta ou aceitação de honorários inferiores à tabela estipulada pela OAB. Decidiu o Tribunal de Ética da OAB que contrato firmado por sociedade de advogados com órgão licitante não caracteriza motivo justificável, do artigo 41 do Código de Ética e Disciplina, para a fixação de honorários inferiores aos estipulados na Tabela da OAB (2). Decidiu, também, que comete infração ética e legal o advogado que aceita honorários, salário, remuneração, ou retribuição de seus trabalhos, inferiores aos valores mínimos estabelecidos na Tabela de Honorários ou em sentença normativa (artigos 19 do EAOAB e 41 do CED). O mesmo entendimento deve ser dado à contratação de remuneração de advogado, mediante processo de licitação, não podendo ser confundida a moderação com modicidade (3).


Configura, também, aviltamento dos preços praticados à contratação cuja remuneração se baseie apenas nos honorários de sucumbência, prática usualmente adotada em muitas contratações, posto que, no caso de insucesso da demanda, nada receberia pelo seu trabalho. Por outro lado, a sucumbência, por ser fixada pelo julgador, ficaria fora de qualquer previsão ou negociação. O Código de Ética, em seu artigo 37, adverte que é sempre imprevisível o desenvolvimento posterior da demanda, motivo a ser considerado na fixação dos honorários.


A efetiva participação do advogado no trabalho realizado é ponto importante a ser observado. Com a modernidade em voga, é comum a utilização de formulários-padrão previamente preparados, cabendo ao advogado contratado apenas se responsabilizar pelo conteúdo ao lançar sua assinatura. Neste aspecto, o artigo 34, inciso V, do Estatuto da OAB proíbe ao advogado assinar qualquer trabalho que não tenha redigido, ou para cuja redação não tenha colaborado.


Como se vê, Srs. Conselheiros, sob o tema abordado, inúmeros são os óbices à realização do certame licitatório, ou ao menos, diversos aspectos importantes devem ser observados na confecção do edital para contratação de advogado, de modo a não propiciar infindáveis impugnações.


Por outro lado, a Doutrina e a Jurisprudência, enfocando os aspectos da notoriedade da contratada, da singularidade do objeto e da inviabilidade de competição, as quais me permito não repetir nesta ocasião, porque amplamente conhecidas por Vossas Excelências, me levam, também, à conclusão da existência de duas correntes a justificar a contratação direta: a primeira, que defende a contratação direta por considerar inviável a competição ante a impossibilidade jurídica de se aferir trabalho intelectual e preço, e, a segunda, que tem como fator preponderante a singularidade do objeto, aliada à notoriedade do contratado. Fora destes casos, caberia a licitação.


Embora já tenha ganhado alguma notoriedade a abordagem de que é inviável a realização de certame licitatório por contrariar as normas do Estatuto da OAB e o Código de Ética, conforme breve exposição que fiz, não se pode afirmar a existência de uma terceira corrente que defenda a contratação direta por entender taxativamente proibida a realização do certame frente às regras do referido Estatuto e Código de Ética.


Pertinente, aqui, mencionar que há outro fator aliado aos óbices já mencionados, posto que a natureza da contratação está centrada na confiança depositada no profissional que se pretende contratar, o que colide frontalmente com o princípio da competitividade. Importante lembrar que este fator foi levado em consideração em julgado da mais alta Corte deste País.


Não acredito que os antagonismos existentes entre as normas infraconstitucionais do Estatuto da OAB e do seu Código de Ética tenham força suficiente para vedar a realização de certames licitatórios. A administração, lançando mão da discricionariedade que lhe é facultada pela lei deverá saber, diante de cada caso concreto, avaliar corretamente a conveniência e a oportunidade de realizar ou não o certame licitatório. No caso de licitar, os termos do Edital deverão propiciar uma competição segura, sem ferir ordenamentos regentes. No caso de não licitar, a justificativa para a dispensa deverá ser robusta, enfocando a situação peculiar vivida naquele momento.


Não quero, assim, me filiar a determinada corrente, ou a qualquer entendimento extremista no sentido da dispensa ou da realização do certame, posto que a matéria situa-se em campo árido que comporta o exame caso a caso, e a minha posição é um tanto liberal quanto ao assunto, pois entendo que, aliados a todos os fatores expostos que estariam a embasar a dispensa de licitação, muitos outros podem ser apreciados no exame de mérito de cada caso concreto, além do que a matéria encontra-se em franca evolução jurisprudencial.


Com isto quero dizer que avaliarei em cada caso todas as circunstâncias fáticas que envolveram a contratação do advogado ou escritório. Não me deterei apenas na singularidade do objeto e notoriedade da contratada, porque a própria avaliação do que é singular e do que é notório é um tanto subjetiva. Por exemplo, aquilo que é simples e rotineiro para o corpo de advogados de uma grande Prefeitura pode não ser para os de uma pequena Prefeitura, ou um advogado da capital, dentre tantos advogados que atuam na mesma área, pode não ser considerado notoriamente especializado, ao passo que um advogado do interior, dentro do seu universo jurídico, pode ser considerado notoriamente especializado exatamente naquela área aqui considerada rotineira, ou, ainda, questões que hoje podem ser consideradas complexas, daqui a seis meses se tornam rotineiras, dependendo do momento vivenciado.


O fato de o órgão fiscalizado possuir corpo de advogados ou procuradores também não impede, por si só, a contratação direta de advogado para desempenhar algum serviço, ainda que considerado rotineiro, como por exemplo o ajuizamento de uma ação fiscal. No caso, dependerá da avaliação da circunstância fática vivenciada e demonstrada pelo órgão no momento da contratação. Para ilustrar, podemos citar o aumento repentino e ocasional da demanda em casos judiciais, o impedimento, por qualquer circunstância, da atuação do corpo de advogados do órgão.


Por óbvio que contratações amplas e genéricas, cuja singularidade evidentemente está afastada, dependerão de acurada avaliação.


No caso concreto ora analisado, a contratação, segundo o relator e o primeiro revisor, esbarra na falta de singularidade do objeto, posto que se convenceram de que a demanda a ser deduzida em juízo, objetivando a nulidade da cláusula que instituiu o reajuste com base nos índices estabelecidos pelo DER, assim como daquela que elevou demasiadamente o preço no contrato renovado, não se reveste de "especial peculiaridade e tampouco guarda complexidade suficiente para ser caracterizada como singular".


Com a devida vênia dos Senhores Conselheiros, na linha que me propus a adotar, da análise de caso a caso, não só sob os aspectos da notoriedade e da singularidade, entendo que a contratação pode ser considerada regular.


Quero, neste caso, invocar o princípio da razoabilidade e da boa-fé dos contratantes.


O Sr. Prefeito Municipal, até pelo dever de ofício de defender os interesses do Município, vez que ao assumir a Prefeitura se deparou com contrato lesivo ao erário, e, entendendo não poder contar com os Procuradores do Município, contratou causídico da região, com experiência renomada, para atingir os objetivos de interesse da Municipalidade.


Entendo que na avaliação do Sr. Prefeito, diga-se de passagem, de uma cidade de pouco mais de 17 mil habitantes, situada a 298 km da Capital, a questão, talvez a primeira do gênero a se deparar, diferente daquelas corriqueiras, se mostrou singular, de importância tal, que não poderia ser confiada ao corpo jurídico da Prefeitura, posto que este Corpo de Procuradores havia avalizado o indigitado contrato.


Assim, para o Prefeito, estavam presentes todos os requisitos para a contratação direta, amparada no inciso II, do artigo 25, da Lei 8.666/93, ou seja, a questão era singular, o advogado notoriamente especializado, e, acima de tudo, de sua confiança.


Nós, que passamos boa parte de nossas vidas envolvidos em questões jurídicas, podemos saber melhor avaliar o que é uma questão complexa; no entanto, devemos ter a nobreza inerente aos julgadores e nos transportarmos até a situação de fato para melhor avaliar o ato do administrador.


Note-se que a controvérsia gira em torno de questão subjetiva, e não de ilegalidade patente.


O contrato em tela foi firmado objetivando uma questão específica, única. Foi desembolsado apenas o valor referente às custas e despesas, por se tratar de contrato de risco. O valor desembolsado mostrou-se razoável e o Poder Judiciário já deu ganho de causa à Prefeitura em decisão de 1ª Instância (4), o que demonstra, a princípio, assistir total razão ao Sr. Prefeito em questionar judicialmente o contrato que vinha causando prejuízo ao erário municipal.


Há de se considerar, ainda, que não houve qualquer impugnação ao contrato. Está evidenciada a boa-fé das partes. Os atos não fugiram do que se pode considerar razoável, e, até o momento, o Município só se beneficiou com o serviço prestado pelo contratado.


Por todo o exposto, Srs. Conselheiros, é que acompanho os pareceres favoráveis da UR-6, Unidade Jurídica e Chefia da ATJ, e voto no sentido da regularidade do Contrato nº 017-B/97, bem como da inexigibilidade de licitação precedente.


Notas de rodapé:
(1) Alice Maria Gonzalez Borges, Licitação para contratação de serviços profissionais de advocacia, artigo in RDA 206/135
(2) Proc. E. 2.018/99 – v.u. em 18/11/99 do parecer e voto do Rel. Dr. João Teixeira Grande – Ver. Dr. Ricardo Garrido Júnior – Presidente - Dr. Robson Baroni.
(3) Proc. E- 1.892/99 – v.u.  em 17/06/99 do parecer e voto do Rel. Dr. Clodoaldo Ribeiro Machado – Ver. Dr. João Teixeira Grande – Presidente – Dr. Robson Baroni.
(4) Pendente de decisão. Recurso interposto.


A POSIÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO

No AC 96.01.14253-3/DF, Rel. Juiz Cândido Ribeiro (DJ 14.11.97, p. 97.150), o Tribunal Regional Federal da 1ª Região afirmou:

CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - CONTRATAÇÃO DE ADVOGADOS - RENÚNCIA - IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO - LEGALIDADE - ART. 37, XXI, CF/88 - HONORÁRIOS - INTERESSE DA UNIÃO

1. Não há falar-se em renúncia ao direito em que se funda a demanda, vez que a ação popular visa amparar interesses da coletividade.

2. O princípio constitucional acerca da obrigatoriedade de licitar imposta à Administração Pública (art. 37, XXI) comporta exceções, destacando-se a hipótese de contratação de profissionais com notória especialidade, não havendo, portanto, ilegalidade no contrato administrativo ...”



A POSIÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Para conhecimento da posição do eg. STJ, valioso observar o conteúdo do Habeas Corpus n° 52.942-PR, em que aquela Alta Corte expressa o entendimento sobre a desnecessidade de órgãos públicos fazerem licitação para a contratação de advogado especialista em determinado assunto:


HABEAS CORPUS Nº 52.942 - PR (2006⁄0011139-5)
RELATOR: MINISTRO NILSON NAVES
IMPETRANTE: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECCIONAL DO ESTADO DO PARANÁ E OUTRO
COATOR: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
PACIENTE: IRIVALDO JOAQUIM DE SOUZA              

EMENTA

SERVIÇOS DE ADVOCACIA (CONTRATAÇÃO). LICITAÇÃO (DISPENSA). FALTA DE TIPICIDADE (CASO).  HABEAS CORPUS (CABIMENTO). EXTINÇÃO DA AÇÃO PENAL (POSSIBILIDADE).

1. É possível, no caso, reconhecer, desde logo, a falta de justa causa para a ação penal, uma vez que evidente a atipicidade do fato. Tendo a denúncia reconhecido o êxito do Município com a atuação profissional do paciente e não havendo prejuízo para o erário – bem jurídico primeiro e mais importante tutelado pelo art. 89 da Lei das Licitações –, não há falar em tipicidade.

2. Quando fundado o habeas corpus, por exemplo, na alegação de falta de justa causa para a ação penal, admite-se se faça nele exame de provas. O que se veda em habeas corpus, semelhantemente ao que acontece no recurso especial, é a simples apreciação de provas, digamos, a operação mental de conta, peso e medida dos elementos de convicção.

3. Ordem de habeas corpus concedida para se extinguir a ação penal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Paulo Medina e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Medina.

Sustentou oralmente o Dr. Irivaldo Joaquim de Souza em causa própria.

Brasília, 19 de setembro de 2006 (data do julgamento).

Ministro Nilson Naves 
Relator

RELATÓRIO

 O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES:  Pelo Juiz da comarca de Guarapuava foram prestadas, em 11.10.05, ao Tribunal de Justiça estas informações:

"O réu Irivaldo Joaquim de Souza, ora paciente, figura como co-réu nos autos de processo-crime de nº 2002.0000610-2, que tramitam por esta Vara, pela prática, em tese, dos seguintes fatos delituosos descritos na denúncia de f. 2⁄15.

Ao acusado é imputado o delito do art. 89 da Lei nº 8.666⁄93 c⁄c art. 29 do Código Penal Brasileiro.

Figuram ainda como co-denunciados no aludido processo-crime Vitor Hugo Ribeiro Burko, pela prática, em tese, dos delitos do art. 1º, inc. I e V, do Decreto-Lei nº 201⁄67 c⁄c art. 89 (duas vezes) da Lei nº 8.666⁄93 c⁄c art. 29 e 69, ambos do Código Penal Brasileiro. Já o denunciado Gustavo Costa Hauer teria praticado em tese os delitos do art. 1º, inc. I, do Decreto-Lei nº 201⁄67 c⁄c art. 29 do Código Penal.

O procedimento investigatório iniciou por meio de pedido de instauração de inquérito civil público visando, em suma, a investigação para apurar a 'existência de um sistema de pagamento de assessores políticos através de verbas públicas decorrentes de licitações dirigidas e superfaturadas, com utilização de notas fiscais de prestação de serviços também em valores excedentes aos serviços realmente prestados, tudo para fins de confecção de um caixa de campanha com vistas a utilização com finalidade eleitorais'.

Devido ao foro privilegiado, uma vez que se tratava de procedimento investigatório em face do Prefeito Municipal da época (denunciado Vitor Hugo Ribeiro Burko) o feito estava sendo processado perante o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Em 22 de abril de 2004 os representantes do Ministério Público apresentaram denúncia e paralelamente requereram a notificação dos acusados e a requisição de antecedentes dos acusados e de documentos da Prefeitura Municipal de Guarapuava, nos termos da cota ministerial de f. 750.
.................................................................................................................

O paciente Irivaldo Joaquim de Souza pugnou pelo não recebimento da denúncia, em 07.07.2005 (fl. 3568). Juntou documentos (fl. 3569⁄3587).

O paciente à fl. 3589 requereu a reconsideração para não recebimento da denúncia, pelo menos quanto aquele denunciado. Juntou documentos (f. 3590⁄3729).
.................................................................................................................

Sustenta a ausência de justa causa para imputação atribuída e por conseqüência o trancamento da ação penal.

Com a devida vênia, não é o entendimento deste Juízo.

Pelo que se infere do processo-crime apesar de iniciado perante este Egrégio Tribunal de Justiça, no ano de 2004, reveste-se das formalidades legais.

Outrossim, não se verifica nos autos tenha sido cometida alguma irregularidade, estando tudo elaborado na forma da lei.

A denúncia foi oferecida e a instrução criminal, na presente data está na fase do interrogatório dos acusados, já tendo apresentado as defesas preliminares, em relação às notificações expedidas, não se vislumbrando nenhuma afronta à lei."

Foi a ordem assim denegada pelo Tribunal de Justiça:

"Concluindo, a análise da caracterização ou não da hipótese da inexigibilidade da licitação, possibilitada pelo art. 25 da Lei 8.666⁄93, não pode ser efetivada na via estreita do habeas corpus, quando demanda produção e análise de prova. Outrossim, o habeas corpus se destina a preservar o direito de locomoção do paciente diante de constrangimento ilegal que se caracteriza em razão de ato ilegal ou de abuso da autoridade (no caso, o Juízo impetrado) que não se evidenciou no caso em tela.

Por todo o acima exposto, voto pelo conhecimento do recurso bem como pela denegação da ordem impetrada.

Diante do exposto, ACORDAM os integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Juíza Relatora."

Feita a renovação do pedido, vieram ter ao Superior Tribunal estes autos, com estes considerandos:

"a) que a denúncia é inepta, por falta de justa causa, pois sequer indicou o elemento subjetivo do delito, isto é, não disse em que consistiu o dolo, maltratando assim, dentre outras, a norma do art. 41 do Código de Processo Penal;

b) que, in casu, não era cabível a licitação, conforme a doutrina e as reiteradas decisões dos nossos Eg. Egrégios Tribunais;

c) que o paciente não pode ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa, pois sua conduta não foi típica e nem antijurídica;

d) que o paciente não agiu com dolo, nem com má-fé e que foram módicos os honorários líquidos que recebeu - R$ 200.205,00 - ao longo dos anos de 1999 e 2000, importância que corresponde a 2% do valor da dívida, então informada pelo Município;

e) que não houve lesividade ao erário; pelo contrário, através da atuação profissional do paciente o Município conseguiu vultosos benefícios pois ao invés de saldo devedor (de R$ 20.490.464,72 - doc. 012), tem crédito de R$ 1.581.537,61 (doc. 19).

f) que o paciente possui especialização, fato reconhecido por 4 Eméritos Juízes de Direito (docs. 25 a 28), pela Ordem dos Advogados do Brasil (doc. 29), pelos Ex-Presidentes da Ordem (doc. 30) e por eminentes advogados (docs. 31 a 32);

g) que são complexas e singulares as ações defendidas pelo paciente no interesse do Município de Guarapuava;

h) que era inviável a competição, em vista das disposições do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e do Código de Ética do Advogado;

i) que o valor líquido recebido pelo paciente (R$ 200.205,00) representa 2% (dois por cento) da dívida do Município (doc. 04), percentual muito aquém do mínimo (10%) permitido pelo artigo 20, § 3º, do CPC;

j) que foram interpostos 12 recursos (docs. 107-142) e que o paciente fez cerca de 20 viagens para defender os interesses do Município (Porto Alegre e Brasília), sem cobrança de honorários."

O então Presidente do Tribunal, Ministro Edson Vidigal, em 18.1.06, concedeu liminar nestes termos:

"Sustenta a impetrante, em síntese, inépcia da denúncia por atipicidade da conduta descrita, na medida em que o caso se enquadra nas hipóteses de inexigibilidade de licitação (Lei n.º 8.666⁄93, artigos 13 e 25) em face da notória especialização do profissional contratado, e por não ter sido demonstrado dolo por parte do paciente para lesionar o erário; que a atuação do paciente só trouxe benefícios financeiros para o Município; que foram módicos os honorários líquidos recebidos, correspondentes a 2% do valor da dívida questionada em juízo e que era inviável a competição, em virtude das disposições do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e do Código de Ética do Advogado.

Postula a concessão de liminar, a fim de que seja suspensa a tramitação da Ação Penal.

Decido.

Considerando presentes os pressupostos autorizadores do provimento urgente, periculum in mora e fumus boni juris, defiro a medida liminar para suspender os atos processuais relativos ao paciente nos autos da Ação Penal n.º 2002.0000610-2, em trâmite na 1ª Vara Criminal de Guarapuava⁄PR."

Parecer ministerial no sentido do indeferimento.

É o relatório.


VOTO
  
O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): Quanto ao cabimento de habeas corpus quando dele se requer algum exame de prova, a compreensão que tenho é a que deixei exposta, entre outros papéis, nos do HC-36.824, publicado no DJ de 6.6.05, de seguinte ementa:

"HABEAS CORPUS (CABIMENTO). MATÉRIA DE PROVA (DISTINÇÃO).

1.Determina a norma (constitucional e infraconstitucional) que se conceda habeas corpus sempre que alguém esteja sofrendo ou se ache ameaçado de sofrer violência ou coação; trata-se de dar proteção à liberdade de ir, ficar e vir, liberdade induvidosamente possível em todo o seu alcance.

2.Assim, não procedem censuras a que nele se faça exame de provas. Quando fundado, por exemplo, na alegação de falta de justa causa, impõe-se sejam as provas verificadas. O que se veda em habeas corpus, semelhantemente ao que acontece no recurso especial, é a simples apreciação de provas, digamos, a operação mental de conta, peso e medida dos elementos de convicção.

3.Admite-se, sem dúvida, habeas corpus que questione defeitos da sentença relativos aos seus requisitos.

4.Pedido originário do qual não se conheceu. Ordem, porém, expedida de ofício, a fim de que se julgue, na origem, o mérito da impetração."

Ora, ao contrário de algumas opiniões, o atual habeas corpus tem cabimento, e perfeito, para o exame da causa que deu à luz ação penal mediante esta denúncia (nos pontos de pertinência):

"Também foi apurado que em 1º de março de 1999 o denunciado Vitor Hugo Ribeiro Burko, no exercício do cargo de Prefeito Municipal de Guarapuava dolosamente celebrou, sem a prévia e necessária licitação, e mediante prévia combinação, o Contrato de Prestação de Serviços (fls. 260-265, vol.) de advocacia junto a pessoa do denunciado Irivaldo Joaquim de Souza, cujos valores contratados poderiam chegar a cifra de R$ 635.244,98 (fls. 15 a 18, 94 e 105 a 110, apenso I), não obstante ainda o fato da própria Procuradoria Jurídica do Município de Guarapuava poder realizar os serviços em tese contratados, bem como face ao elevadíssimo valor em questão certamente existiriam inúmeros profissionais capacitados interessados em prestar aqueles serviços jurídicos por valores bem mais baixos para o erário público, desde que se realizasse o certame licitatório.
................................................................................................................

O contrato celebrado pelo prazo de dois anos, renovável, entre os denunciados Vitor Hugo e Irivaldo tinha por objeto a execução de serviços técnicos especializados consistentes no patrocínio de causa judicial relativa à revisão do Contrato Particular de confissão e Composição de Dívidas celebrado em 07 de abril de 1994, entre a União Federal e o Contratante, no momento de CR$ 4.205.093.179,98 (quatro bilhões, duzentos e cinco milhões, noventa e oito centavos), cujo saldo, atualizado, é em torno de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).
................................................................................................................

De acordo com essas parcelas de honorários, o Advogado contratado poderia alcançar a cifra de R$ 635.244,98.
.................................................................................................................

Assim, não obstante o fato de o denunciado Irivaldo ter obtido aparentemente êxito na ação judicial, o que se questiona é a contratação sem licitação, cuja inexigibilidade não se justificou.
.................................................................................................................

O denunciado Irivaldo Joaquim de Souza realizou os fatos tipificados no artigo 89 da Lei nº 8.666⁄93 c.c. artigo 29 do Código Penal..."

Se bem que se reconheça – fê-lo também a denúncia – o êxito na ação intentada, questiona-se, mesmo assim, a contratação sem licitação, avocando-se, a esse respeito, o indicado art. 89: "Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade."

Sucede que há precedentes do Superior Tribunal no seguinte sentido (RHC-16.318, Ministro Nilson Naves, DJ de 29.5.06, e APn-261, Ministra Eliana Calmon, DJ de 5.12.05, respectivamente):

"SERVIÇOS DE ADVOCACIA (CONTRATAÇÃO). LICITAÇÃO (DISPENSA). DECRETO-LEI Nº 201⁄67, ART. 1º, V, E LEI Nº 8.666⁄93, ART. 89, PARÁGRAFO ÚNICO. DENÚNCIA (INÉPCIA).

1.No caso, formalmente, falta aptidão à denúncia, que não logrou enquadrar a indicada conduta na incriminada ação consistente em 'ordenar ou efetuar despesas'. A denúncia há de conter 'a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias'.

2.Tratando-se de contrato em que se levou em conta a confiança e considerando-se ainda a natureza do serviço a ser prestado, justifica-se a dispensa de licitação.

3.Ordem de habeas corpus concedida, determinando-se o trancamento da ação penal."


"PROCESSO PENAL – REJEIÇÃO DA DENÚNCIA – DISPENSA DE LICITAÇÃO (ART. 89 LEI 8.666⁄93).

1. O tipo descrito do art. 89 da Lei de Licitação tem por escopo proteger o patrimônio público e preservar o princípio da moralidade, mas só é punível quando produz resultado danoso.

2. É penalmente irrelevante a conduta formal de alguém que desatente as formalidades da licitação, quando não há conseqüência patrimonial para o órgão público.

3. O dolo genérico não é suficiente para levar o administrador à condenação por infração à Lei de Licitações.

4. Prática de padronização de mobiliários ou equipamentos que não afasta a exigência de licitação, mas não se configura como crime, senão quando ocasiona dano ao erário.

5. Denúncia rejeitada."


Quero crer aplicáveis ao caso destes autos o que ficou estabelecido nos precedentes de ementas acima transcritas. Também vem a pêlo o recentíssimo HC-40.762, cujo julgamento, nesta Turma, teve fim na sessão de 6 de junho, cabendo-me lavrar o acórdão.

Há mais: o recebimento – fê-lo a denúncia – do êxito da ação proposta, daí a observação, e perfeita, dos impetrantes: "... que não houve lesividade ao erário; pelo contrário, através da atuação profissional do paciente o Município conseguiu vultosos benefícios pois ao invés de saldo devedor (de R$ 20.490.464,72 - doc. 012), tem crédito de R$ 1.581.537,61 (doc. 19)." Escreveu Luiz Flávio: "O bem jurídico primeiro e mais importante tutelado pelo artigo 89 da lei das licitações é o erário público." Como, então, falar de tipicidade em casos nos quais o erário não sofre prejuízo; aqui, prejuízo não sofreu, di-lo a denúncia, ou não o disse?

Pela falta de tipicidade, voto no sentido de conceder a ordem para extinguir a ação penal.


HABEAS CORPUS Nº 52.942 - PR (2006⁄0011139-5)

VOTO-VOGAL

 EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO: Senhor Presidente, acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator, mantendo as ressalvas que já fiz em julgamento na Corte Especial, relativamente ao entendimento, com o qual não comungo, de que a falta de prejuízo afasta a caracterização do crime.


À Lei de Licitação, em tema de objetividade primária, não é estranha a probidade. O entendimento vencedor frustra todos os objetivos da Lei de Licitação.


Faço tal ressalva e acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator na conclusão e à luz de precedente da Corte.


Concedo a ordem de habeas corpus.

VOTO-VOGAL
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA: Os fatos foram relatados de maneira suficiente pelo Excelentíssimo Senhor Ministro Relator.


Extraio do relatório que o Paciente foi denunciado, em concurso com outras pessoas, por haver celebrado contrato, sem licitação, para prestação de serviços advocatícios ao Município de Guarapuava, Paraná.


O Ministério Público parte da premissa de que a licitação era, in casu, exigível - claro, do contrário, não denunciaria...


A conduta atribuída ao Paciente foi classificada no caput, do artigo 89, da Lei 8.666⁄93, c⁄c artigo 29, do Código Penal:


"Art. 89 – Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei".
Alegam os Impetrantes que a contratação do Paciente foi precedida de competente Processo de Inexigibilidade de Licitação - processo nº 001⁄99, ratificado em 02 de março de 1999 - o que estaria a indicar a completa ausência de má fé ou desonestidade por parte do contratado.


Afirmam que o procedimento licitatório era realmente inexigível, fazendo-se presentes os pressupostos legais da "notória especialização", da "singularidade" e da "impossibilidade de competição".


Em conseqüência, aduzem atipicidade na conduta atribuída ao Paciente e, por isso mesmo, ausência de causa justa para a persecução penal.


Ademais, seria inepta a denúncia, por não descrever em que consistiu a participação do Paciente no crime classificado no caput do artigo 89 que, sem dúvida, descreve ação própria do administrador público.


Pedem o trancamento do feito.


Consta que o Município contratante não conseguia saldar seus compromissos, sobretudo porque devedor de vultosa importância à Caixa Econômica Federal.


O Prefeito e outros integrantes da Administração Municipal de Guarapuava foram informados, por diversos meios, de que o Município de Maringá havia conseguido resolver problema idêntico, sob a condução e a responsabilidade do escritório de advocacia do Paciente, profissional renomado, de grande experiência e de reconhecida qualificação técnica nas áreas contábil, comercial e tributária.


Daí a iniciativa dos Administradores em promover os primeiros contatos com o Paciente e realizar os procedimentos necessários à contratação de seus serviços profissionais.


Informam os Impetrantes que o Paciente "desvendou engenhosa triangulação, ou seja, manifesta ofensa a princípio constitucional tributário (CF, art. 160, parágrafo único), pela qual o Município, que antes não estava sujeito ao bloqueio do Fundo de Participação, passou, por aparente 'cessão de direitos', a estar sujeito a essa retenção".


Assim explicam a origem do problema que acabou por ser resolvido pelo advogado contratado:


"Para obter a anuência do Município, a CEF inseriu, no 'Termo de Responsabilidade', cláusula que previa a realização conjunta de levantamento para apuração do efetivo saldo da dívida e o prazo de 120 dias para conclusão dos trabalhos de levantamento! Contudo, obtido o 'Termo de Responsabilidade', a CEF apressou-se em 'ceder' para a União os seus créditos, e isso antes de se proceder à apuração do verdadeiro saldo da dívida!


A União, no mesmo dia, sem a apuração do saldo, acenando com o benefício do reescalonamento da dívida, obteve do Município a 'confissão' de que o saldo informado pela CEF era exato! Entretanto, continha erros altamente expressivos!


Na realidade, não houve tal 'cessão de direitos' da CEF para a União, e sim inteligente artifício para burlar a vedação constitucional de retenção ou compensação de recursos tributários, pois a União não pagou um só centavo à CEF pela obtenção de tais direitos creditórios: somente após receber os recursos do Município, ou deles se apropriar, é que a União pagaria à CEF - e exatamente o mesmo valor recebido do Município".


Consta que o Paciente, na condição de advogado contratado, obteve êxito na ação movida, com redução da dívida e apuração de saldo credor em favor do Município contratante, além da revogação do indevido bloqueio do Fundo de Participação dos Municípios.


Segundo os Impetrantes, ficou demonstrado que o ente contratante obteve os benefícios esperados com a prestação dos serviços pelo Paciente e que, nas palavras do ex-Procurador Geral do Município de Guarapuava, "ao que se sabe, apenas um ou dois Municípios ajuizaram ações similares, todas patrocinadas pelo mesmo escritório, e todos com amplo sucesso na demanda" (fl. 05, memorial).


Passo ao exame do mérito do pedido, para o efeito de responder se a conduta descrita na denúncia encontra correspondência típica no artigo 89, da Lei 8.666⁄93.
Vejamos.


Dispõe a Lei 8.666⁄93, em seu art. 25, II ser "inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: II - para contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação".


A inexigibilidade de licitação impõe a conjugação de 03 (três) fatores: serviços técnico, de natureza singular, prestado por profissional ou empresa de notória especialização.


O artigo 13, da Lei n. 8.666⁄93, esclarece quais são os serviços técnicos profissionais especializados, arrolando, no seu inciso V, o "patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas".


Não pode haver hesitação em se afirmar que os serviços aí descritos devam ser considerados técnicos e especializados, para efeitos de inexigibilidade de licitação.
Verifico ainda inexistir dúvida quanto à notória especialização do Paciente, profissional que, conforme comprovado nos autos, é dedicado ao estudo, à pesquisa e à atuação nas áreas contábil, comercial e tributária, advogado de excelente conceito e larga experiência - quase 40 (quarenta) anos de profissão.


Ademais, patrocinador de causa anterior, de natureza similar e de resultado indiscutivelmente positivo, em favor do Município de Maringá.


Tudo está a ressaltar a característica da particularidade na prestação dos serviços contratados.


Além disso, diante da concreta situação que se apresenta, não estariam qualquer escritório de advocacia ou qualquer advogado capacitado ao mesmo serviço, tanto do ponto de vista técnico, de conhecimento, da experiência, da reputação profissional e da estrutura organizacional, quanto do ponto de vista pessoal, destacando-se, aqui, o aspecto da confiança.


Considera a Lei de Licitações, como de notória especialização "o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato".


A circunstância de haver vários profissionais qualificados a promover as mesmas ações não retira do serviço o caráter de especialização.


Impõe-se, portanto, proceder-se à diferenciação entre serviço especializado e serviço singular.


Serviço singular não é serviço único ou dotado de tal excepcionalidade que apenas uma pessoa está qualificada a oferecê-lo.


Limitar a expressão singular ao significado de "único", ou, literalmente, o contrário de "plural", ou "muitos", é fechar os olhos à realidade: na grande maioria das vezes é difícil que somente uma pessoa seja qualificada a prestar serviços técnicos especializados em geral.


A singularidade, como bem acentua Celso Antônio Bandeira de Mello:


"(...) não significa que outros não possam realizar o mesmo serviço” (...) “o que entra em causa, para o tema da licitação, é a singularidade relevante, ou seja: cumpre que os fatores singulariza dores de um dado serviço apresentem realce para a satisfação da necessidade administrativa. Em suma: que as diferenças advindas da singularidade de cada qual repercutam de maneira a autorizar a presunção de que o serviço de um é mais indicado do que o serviço de outro.” (Curso de Direito Administrativo, 11a ed., Malheiros, São Paulo, 1999, p. 385)


Sobre o mesmo assunto, assim se manifesta Marçal Justen Filho:


"A singularidade do serviço indica que a execução do serviço retrata uma atividade personalíssima, o que inviabiliza uma comparação de modo objetivo. Em tais casos, a subjetividade inerente à execução da prestação torna inviável a seleção segundo critérios de economicidade, vantajosidade etc." (Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações, 4ª ed., 1995, p. 171).


Assim, face ao caso concreto, é correto dizer que os serviços contratados poderiam, em tese, ser prestados por vários sujeitos especializados ou qualificados.


Tal circunstância, entretanto, não lhes retira o caráter de singularidade que, devo ressaltar, se distingue pela nota característica e personalíssima que o profissional pode imprimir à atividade.


Pode haver, não se nega, vários sujeitos de reconhecida competência na matéria – e é isso, em geral, o que acontece – mas permitida uma certa margem de liberdade e de pessoalidade ao administrador, é perfeitamente possível, sob o filtro da confiança, critério essencial na seleção, que a escolha recaia sobre algum ou alguns dentre aqueles profissionais igualmente capacitados.


No caso concreto, há um dado real de inegável "singularização" dos trabalhos profissionais do Paciente: o fato de haver patrocinado ação similar, "com amplo sucesso", em favor de outro Município na mesma situação financeira que o Município contratante.


Diz ainda Celso Antônio Bandeira de Mello:


"É natural, pois, que, em situações deste gênero, a eleição de eventual contratado - a ser obrigatoriamente escolhido entre os sujeitos de reconhecida competência na matéria - recaia em profissional ou empresa cujos desempenhos despertem no contratante a convicção de que, para o caso, serão presumivelmente mais indicados do que os de outros, despertando-lhe a confiança de que produzirá a atividade mais adequada para o caso. Há, pois, nisto, também um componente subjetivo ineliminável por parte de quem contrata" (op. cit., p. 392).


E novamente Bandeira de Mello, na obra citada, com apoio em Lúcia Valle Figueiredo:


"Foi, aliás, o que Lúcia Valle Figueiredo, eminente Desembargadora Federal aposentada do Tribunal Regional Federal da 3a Região, apontou com propriedade: 'Se há dois, ou mais, altamente capacitados, mas com qualidades peculiares, lícito é, à Administração, exercer seu critério discricionário para realizar a escolha mais compatível com seus desideratos'.


Com efeito, o normal, e salvo situações muito raras, é que exista mais de um profissional ou empresa altamente qualificados em dado ramo ou setor de atividade, ensejando, portanto, opção por algum deles" (p. 392).


Não é despiciendo lembrar, como fazem os Impetrantes, que a contratação do Paciente foi precedida de competente processo administrativo de inexigibilidade - o que, ao meu ver, fulmina qualquer suspeita de hipotética má fé ou possível conhecimento quanto a eventual ilegalidade do contrato.


É que a tese jurídica em favor da inexigibilidade é consistente do ponto de vista jurídico, sobretudo porque fundada na impossibilidade de disputa entre profissionais, em tese, igualmente qualificados, sendo preponderantes na escolha os quesitos da confiança e do preparo, tanto intelectual quanto organizacional.


Como já me manifestei em julgamento anterior (HC 40.762⁄PR), não se seleciona, via licitação, entre profissionais especializados, quem presta o mesmo serviço por menos!


O critério preponderante não pode ser o quantitativo, porque aqui se trata do exercício da discricionariedade orientada pela confiança (juízo de maior probabilidade de êxito e vantagem para a administração, decorrente da situação de segurança que inspiram profissionais de bom nome, de talento, competência e probidade que orientam a melhor escolha), sob pena de negar-se ao administrador a capacidade, enfim, de... "administrar"!


Essa posição encontra amplo respaldo nos Tribunais - como, aliás, destacaram os Impetrantes.


Ao meu juízo, esse é, realmente, um caso típico de inexigibilidade de licitação.


Ausente o elemento normativo do tipo, qual seja; a exigibilidade da licitação, a contrario sensu, da expressão gramatical do tipo.


Atípica a conduta atribuída ao Paciente.


A consistência da tese de inexigibilidade, ou seja; a juridicidade do fundamento da não licitação, está a sinalizar iniludível boa fé na contratação – providência que decorreu de autorização administrativa precedida de estudo e parecer da Procuradoria do Município.


O dolo, como se sabe, elemento subjetivo geral do tipo – na classificação de Juarez Cirino dos Santos –, deve abranger a conhecimento e a vontade acerca de todos os elementos constitutivos da figura típica, inclusive os elementos normativos e, claro, o resultado.


Se o administrador contratante, ou o particular contratado, agem de boa fé, na convicção de que a hipótese autoriza a contratação direta, sendo inexigível a licitação, não há dolo.


Este reclama a vontade de obtenção do resultado com o conhecimento inequívoco quanto à presença do elemento normativo do tipo.


Não há, in casu, a intenção voltada à prática da conduta tipificada.


Não vejo porque, em sede de habeas corpus, havendo elementos suficientes à demonstração da atipicidade da conduta, como neste caso, deixar de apontar o constrangimento ilegal, resultante da existência de persecução penal que tem como objeto fato atípico.


É a hipótese de ausência de justa causa, a bradar por correção na via adequada – sem nenhuma necessidade de análise vertical e aprofundada da matéria fática.


A premissa da absoluta existência de boa fé com que foi celebrado o contrato é suficiente para afastar o dolo e, em conseqüência, o próprio tipo.


Posto isso, CONCEDO a ordem, para o trancamento da ação penal.


É como voto.


A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Com esta decisão do ano de 1995, assim se posicionou a Suprema Corte a respeito da inexigibilidade de licitação para contratação de serviços jurídicos:

PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL: TRANCAMENTO. ADVOGADO: CONTRATAÇÃO. DISPENSA DE LICITAÇÃO.

I – Contratação de advogado para defesa de interesses do Estado nos Tribunais Superiores: dispensa de licitação, tendo em vista a natureza do trabalho a ser prestado. Inocorrência, no caso, de dolo ou apropriação indébita do patrimônio público.

II – Concessão de habeas corpus de ofício para o fim de ser trancada a ação penal. (STF, 2ª Turma. RHC n° 72.830, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 30/10/95, DJ de 16/02/96, p. 2.999).

No corpo do seu voto, o eminente Min. Carlos Velloso consignou o seguinte:

“Acrescente-se que a contratação de advogado dispensa licitação, dado que a matéria exige, inclusive, especialização, certo que se trata de trabalho intelectual, impossível de ser aferido em termos de preço mais baixo. Nesta linha, o trabalho de um médico operador. Este absurdo somente seria admissível numa sociedade que não sabe conceituar valores. O mesmo pode ser dito em relação ao advogado, que tem por missão defender interesses do Estado, que tem por missão a defesa pública.”

Mais recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de habeas corpus (HC 86198-9-PR), tendo como relator o então ministro Sepúlveda Pertence, afirmou que "a presença de requisitos de notória especialização e confiança, ao lado do relevo do trabalho a ser contratado, permite concluir pela inexigibilidade da licitação para a contratação dos serviços de advocacia".

O ministro Pertence acrescentou ainda que: "se for para disputar preço, parece de todo incompatível com as limitações éticas e mesmo legais que a disciplina e a tradição da advocacia trazem para o profissional".

Eis o resumo do referido julgado:
 
HC 86198/PR – PARANÁ - HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
Julgamento: 17/04/2007
Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação DJE-047
DIVULG 28-06-2007
PUBLIC 29-06-2007 DJ 29-06-2007 PP-00058
EMENT VOL-02282-05 PP-01033
 
Parte(s)
PACTE.(S): ADYR SEBASTIÃO FERREIRA

PACTE.(S): ÍRIA REGINA MARCHIORI
IMPTE.(S): ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO DO PARANÁ
ADV.(A/S): JOÃO DOS SANTOS GOMES FILHO
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA:

I. HABEAS CORPUS: PRESCRIÇÃO: OCORRÊNCIA, NO CASO, TÃO-SOMENTE QUANTO AO PRIMEIRO DOS ADITAMENTOS À DENÚNCIA (L. 8.666/93, ART. 92), OCORRIDO EM 28.9.93. II. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ: QUESTÃO QUE NÃO CABE SER ANALISADA ORIGINARIAMENTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E EM RELAÇÃO À QUAL, DE RESTO, A INSTRUÇÃO DO PEDIDO É DEFICIENTE. III. HABEAS CORPUS: CRIMES PREVISTOS NOS ARTIGOS 89 E 92 DA L. 8.666/93: FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL, DADA A INEXIGIBILIDADE, NO CASO, DE LICITAÇÃO PARA A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA.

1.     A presença dos requisitos de notória especialização e confiança, ao lado do relevo do trabalho a ser contratado, que encontram respaldo da inequívoca prova documental trazida, permite concluir, no caso, pela inexigibilidade da licitação para a contratação dos serviços de advocacia.

2.     Extrema dificuldade, de outro lado, da licitação de serviços de advocacia, dada a incompatibilidade com as limitações éticas e legais da profissão (L. 8.906/94, art. 34, IV; e Código de Ética e Disciplina da OAB/1995, art. 7º). 


DECISÃO

A Turma deferiu o pedido de habeas corpus dos pacientes, por falta de justa causa, e estendeu os efeitos dessa decisão ao co-réu Acindino Ricardo Duarte, nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Falou pelos pacientes o Dr. João dos Santos Gomes Filho. 1ª. Turma, 17.04.2007.